Os presidentes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, avaliaram positivamente um encontro de cerca de uma hora que tiveram nesta quarta-feira (24) em Nova York, à margem da Assembleia Geral da ONU.
“Lula disse que fará o seu melhor para trazer paz para a Ucrânia e agradeço a ele pelo posicionamento claro”, afirmou Zelensky em uma declaração à imprensa após o encontro.
“Hoje senti Zelensky com muito mais vontade de conversar do que em outras reuniões”, disse Lula.
O brasileiro disse que vai conversar com o presidente Donald Trump e com o ditador Vladimir Putin para tentar mediar o fim do conflito. Ele ressaltou a amizade que Trump tem com Putin e disse: “eu também sou amigo do Putin. Se um amigo pode muita coisa, dois amigos podem muito mais”, disse.
O presidente ucraniano disse que o diálogo não se limitou à guerra e também foram abordados temas ligados ao comércio e à cooperação bilateral. Ele lamentou que houve pouco tempo para dialogar e deu sinais de que deseja que as negociações continuem.
Esse encontro marca o diálogo mais amplo entre os dois presidentes desde a última reunião bilateral, ocorrida há dois anos, também durante a Assembleia Geral da ONU.
Por sua vez, Lula adotou um tom dúbio sobre o conflito tanto em seu discurso da Assembleia Geral da ONU quanto em uma nota à imprensa sobre o encontro com Zelensky.
A nota do Brasil sobre o encontro presidencial disse que “um entendimento sobre as condições de um cessar-fogo deveria ser o primeiro passo de um processo de negociação”.
Embora o tom pareça óbvio, a Rússia e seus apoiadores vinham se opondo a um cessar-fogo imediato e advogando que as “raízes” do conflito deveriam ser negociadas e resolvidas primeiro, mesmo sem o fim das hostilidades no campo de batalha. A razão disso é que a Rússia quer conquistar mais territórios antes da negociação do cessar-fogo, segundo analistas internacionais.
Já durante seu discurso na Assembleia Geral, Lula havia dito que “as preocupações de segurança de todas as partes” devem ser levadas em conta na mediação do fim do conflito. A frase faz referência a um argumento da Rússia de ter invadido a Ucrânia devido à alegada expansão da Otan (aliança militar ocidental) para perto de sua fronteira, segundo analistas.
Essa posição se contrapõe à visão dos países europeus e da Ucrânia de que nações do leste europeu têm se juntado à aliança militar justamente para se proteger de agressões da Rússia.
A nota do governo brasileiro também lamentou o sofrimento humano causado pelos mais de três anos de combate.
O presidente brasileiro também defendeu maior engajamento da ONU na resolução do conflito. Ele disse que sugeriu ao secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, que o organismo fizesse a mediação da guerra, mas teria recebido uma negativa.
Zelensky diz que armas e aliados são as únicas garantias de segurança possíveis para a Ucrânia
A aparente tentativa de Zelensky de se aproximar do Brasil, especialmente na área econômica, faz parte de uma estratégia da Ucrânia de buscar parcerias internacionais que gerem contratos e desenvolvimento de capacidades e não apenas apoio político e no campo das ideias.
O debate internacional para acabar com a invasão da Ucrânia tem girado em torno das garantias de segurança que os ucranianos receberão em troca de abrir mão informalmente de territórios invadidos para acabar com o confronto.
A Rússia quer que a garantia de segurança seja apenas um tratado internacional dizendo que determinados países virão ao socorro da Ucrânia em caso de agressão. Mas Moscou teria poder de veto a esse socorro internacional. Os europeus, por sua vez, propõe enviar tropas de paz e armas para o território ucraniano para dissuadir nova invasão.
Já Zelensky disse em seu discurso na Assembleia Geral da ONU acreditar que as únicas garantias reais de segurança são possuir armamentos e países aliados que sirvam de dissuasão contra uma nova invasão russa. Para que isso seja alcançado, a Ucrânia tenta conseguir financiamento e parcerias de longo prazo para desenvolver e manter sua base industrial de defesa.
Kyiv também investe nesse momento na ideia de que nada pode ser decidido sobre a Ucrânia sem a participação nas negociações de representantes dos ucranianos. O temor dos ucranianos era que Donald Trump e Vladimir Putin negociassem apenas entre eles um acordo que fosse desfavorável à Ucrânia.
Outro ponto crucial para a política externa do país é mostrar que a Ucrânia está disposta a negociar a paz a qualquer momento e é a Rússia que está resistindo a se sentar na mesa de negociações. Kyiv também combate a ideia de que a Rússia possa ter poder de veto contra tentativas internacionais de apoio à Ucrânia no caso de nova invasão.
Encontro após contratempos diplomáticos e manifestações pró-Rússia de Lula
Uma eventual aproximação de Brasil e Ucrânia seria uma mudança no relacionamento bilateral, até então marcada por atritos. Lula, que mantém relações históricas próximas com o presidente russo, o ditador Vladimir Putin, foi criticado em diversas ocasiões por declarações sobre a guerra que desagradaram Kyiv. Em 2022, ele chegou a afirmar que Zelensky se comportava como “rei da cocada” e sugeriu que o líder ucraniano não havia tentado negociar antes do conflito escalar.
Em encontros anteriores, a relação foi marcada por gestos frios e mal-entendidos diplomáticos. Em 2023, por exemplo, Lula e Zelensky chegaram a se ver no G7, mas não conseguiram realizar uma reunião bilateral. Apenas na Assembleia Geral da ONU daquele ano tiveram um primeiro contato formal, considerado protocolar.
A reunião desta quarta-feira ocorre em um contexto de mudanças geopolíticas. Desde a eleição de Donald Trump, que retomou diálogos com Moscou, Zelensky tem buscado ampliar alianças fora do eixo tradicional da União Europeia e dos Estados Unidos.
A reunião teria sido solicitada oficialmente pelo governo ucraniano e recebeu sinal verde do Itamaraty após meses de negociações. Zelensky reconheceu que o tempo foi curto, mas que espera seguir com a conversa em novos encontros. “Tivemos uma boa reunião. Falaremos mais em outra oportunidade”, disse.
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