Início Economia A epidemia da solidão e a crise de confiança | Carreira

A epidemia da solidão e a crise de confiança | Carreira

Globais e locais são metáforas que nos ajudam a compreender a vida contemporânea, nos adverte o sociólogo Zygmnunt Bauman. Segundo ele, globais são aquelas pessoas que podem estar em qualquer lugar, livres do tempo e do espaço. Já os locais estão presos no tempo e no espaço e não têm escolhas. Estar na posição mais alta na hierarquia social moderna significa ter liberdade de escolha e, essa condição, cada vez mais verdadeira num mundo em desglobalização, é para poucos.

Sem distinção entre o verdadeiro e o falso, pisamos em terrenos cada vez mais pantanosos, e não temos mais grupos de apoio aos quais recorrer. Talvez por isso exista a necessidade da construção de uma política de cuidados que antes ocorria quase espontaneamente.

As carreiras são rápidas, o espaço do trabalho não é mais uma rede de segurança e as pessoas vivem cada vez mais sozinhas. Em quais serviços de atendimento ao cliente é possível confiar? Uma experiência recente com duas grandes empresas de serviço me deixaram sem esperança. São estranhos em quem não se pode acreditar, ainda que, às vezes, nos deparemos com pequenos milagres ao encontrar com boas almas.

Quando não há mais espaços seguros, abrimos as portas da violência. O objetivo é obter satisfação imediata, a qualquer custo. E as habilidades sociais, de empatia e confiança, que eram construídas em um cotidiano regular de trocas, deram espaço para o tecnológico – supostamente prático por estar a um clique no celular.

O sofrimento de hoje, diz Bauman, decorre do quanto ficamos “aturdidos pela escassez de sentidos, porosidade dos limites, incongruência das sequências, volubilidade da lógica e fragilidade das autoridades”. Um documento da World Health Organization, de 2025, mostra que a solidão e o isolamento social provocam doenças físicas e mentais em todas as idades e nas mais diversas regiões desse nosso planeta, que nada mais é do que um pontinho invisível no universo. Depressão, ansiedade, doenças cardíacas e acidente vascular cerebral decorrem da epidemia de solidão global e da falta de conexões e de afeto.

“Não se trata de culpar ninguém, e sim de pensar em como podemos cuidar uns dos outros”, reflete colunista — Foto: Unsplash

As organizações se queixam da falta de engajamento dos profissionais, mas os pilares que constroem espaços de segurança só podem ser sustentados por relações de confiança, como bem aponta a psicoterapeuta Esther Perel. Os espaços de segurança, entretanto, estão cada vez mais arriscados, quando não desagradáveis. Seriam as lideranças as responsáveis, se elas próprias também estão espremidas pelas demandas dos fundos e do operacional necessário para chegar aos resultados esperados? Estamos todos no mesmo barco, à deriva, como muitos imigrantes perdidos nos oceanos. Não se trata de culpar ninguém, e sim de pensar em como podemos cuidar uns dos outros.

A impaciência entre nós é visível nos mais diferentes recantos, ainda que a filosofia e a ciência tragam evidências de que precisamos urgentemente de conexões, de valores e de pessoas vivendo com dignidade. Tais condições são fundamentais não só para os indivíduos, mas também para a cooperação nas organizações e para a existência de sociedades mais estáveis.

Maria José Tonelli é doutora em psicologia social, professora titular na FGV–EAESP, e especialista em diversidade e desenvolvimento de lideranças.

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