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Jorge Messias é, de fato, evangélico?

A indicação de mais um aliado de Lula para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) – desta vez, no lugar do ex-ministro Luís Roberto Barroso, que deixou a Corte em outubro –, traz um diferencial em relação aos indicados anteriormente pelo petista na atual gestão: Flávio Dino, ex-ministro do governo, e Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula.

Isso porque o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado pelo presidente no último dia 20, declarara-se publicamente como evangélico. Ele é, aliás, um dos poucos evangélicos presentes no primeiro escalão do governo e, justamente por isso, tem sido escolhido por Lula para a desafiadora tarefa de aproximar o governo desse eleitorado.

A escolha por Messias buscou unir alguém politicamente leal ao presidente, mas que também tivesse perfil religioso. A indicação ocorre em ano pré-eleitoral, em que Lula precisa se aproximar de segmentos evangélicos, que podem ser decisivos na disputa para sua reeleição.

Aliás, é dos evangélicos, que representam 27% da população segundo o último Censo do IBGE, que o petista enfrenta sua maior rejeição: 58% desse segmento desaprova o governo, segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada no dia 13 de novembro.

Desde o início da atual gestão, Lula tem enviado Messias para interlocução com evangélicos. Na Marcha Para Jesus de São Paulo, em 2023, o chefe da AGU foi vaiado pelos fiéis ao mencionar o presidente. Nos anos seguintes, ele permaneceu como representante do governo nas edições do evento, mas não citou mais o petista.

Nos últimos dias, lideranças religiosas expressaram resistência ao nome de Jorge Messias, sobretudo pela longa trajetória ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT) e por incertezas quanto à sua posição sobre questões caras ao cristianismo, em especial à agenda antiaborto.

Para assumir o cargo, o indicado precisa ser aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado e depois pelo plenário da Casa. No entanto, a resistência de senadores da oposição, incluindo lideranças da bancada evangélica, pode dificultar a aprovação.

Pastor da igreja de Jorge Messias o define como “conservador-social”

Desde 2016, Messias é membro da Igreja Batista Cristã de Brasília, que possui cerca de 400 membros. Lá, o atual AGU é diácono, isto é, um membro escolhido para prestar apoios diversos – pastoral, administrativo e na organização dos cultos, por exemplo.

A igreja em questão é liderada pelo pastor Sérgio Carazza, que foi secretário-executivo da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), no Ministério dos Direitos Humanos, durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Carazza afirmou que Messias “sempre teve uma vida bem atuante e participativa na igreja” e que o aliado de Lula seria, em sua visão, conservador nos costumes, mas defensor de maior intervenção do Estado na Economia.

“O Jorge é um ‘conservador-social’. É um cara a favor da vida, a favor da família e do casamento, com um lado mais voltado à justiça social”, diz.

Segundo o pastor, Messias seria contrário ao aborto. Carazza disse que Messias integra a diretoria do Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) do Distrito Federal – entidade ligada à Igreja Batista Cristã de Brasília, que ampara mulheres que consideram abortar.

Parecer sobre aborto pesa contra Jorge Messias

Apesar disso, o indicado de Lula para o STF tem sido bastante criticado por conta de um parecer da AGU, assinado por ele no ano passado, em que defende a derrubada de uma norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a assistolia fetal – método de aborto em gestações com mais de 22 semanas. O parecer em questão foi protocolado nos autos de uma ação proposta pelo PSOL junto ao STF contra a resolução do CFM.

A assistolia fetal consiste na injeção de medicamentos no coração do feto para causar a parada cardíaca. O parecer de Messias concordou com o pedido do PSOL e pediu que a resolução fosse declarada inconstitucional, permitindo aos médicos a realização do procedimento em questão.

Outra manifestação recente que tem sido criticada por segmentos evangélicos tem a ver com uma ação protocolada por três associações LGBT que pedem a derrubada de uma lei aprovada em julho pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo (ALES). A norma garante aos pais o direito de impedir que seus filhos participem de aulas e atividades ligadas à ideologia de gênero em escolas públicas e privadas.

Em seu parecer, Messias apontou que “há circunstâncias graves na manutenção da vigência da lei” e que a norma “viola a competência privativa da União para definir diretrizes e bases da educação nacional”. O processo segue em tramitação no Supremo.

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Liderança da bancada evangélica questiona nome de Jorge Messias

Para a deputada federal Carla Dickson (União Brasil-RN), vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) na região Nordeste, há resistências significativas entre lideranças cristãs no Congresso quando à indicação de Messias.

Para a parlamentar, o primeiro ponto tem a ver com nova ação de aparelhamento do STF com aliados do presidente. “Quando a coisa não dá certo com o Congresso, o Lula vai lá e judicializa diretamente no STF. Seria mais um para compor o quadro de ministros ajoelhados a ele”.

Em relação ao aspecto religioso, Carla avalia que a escolha representa uma ação estratégica de Lula para conquistar o segmento evangélico. A deputada aponta, entretanto, ressalvas ao posicionamento religioso do atual mandatário da AGU.

“Uma pessoa que é a favor da assistolia fetal, que é o homicídio intraútero de crianças inocentes, não é cristã. No momento em que você se diz cristão, está dizendo que acredita na Bíblia. E a Bíblia é um livro que protege a vida, portanto, contra o aborto. É a favor da família tradicional, portanto, contra a ideologia de gênero que está espalhada pelas escolas”, declara.

Presidente da bancada evangélica no Senado sinaliza reprovação

A Gazeta do Povo contatou os senadores Carlos Viana (Podemos-MG) e Damares Alves – respectivamente, presidente e vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Senado. Ambos disseram que por ora não se manifestariam sobre Jorge Messias.

No entanto, dias após o anúncio do petista, Carlos Viana (que é presidente da CPMI do INSS) informou que decidiu pautar a votação do pedido de convocação de Messias na CPMI. Há suspeitas de que o aliado de Lula teria ignorado alertas feitos por procuradores da própria AGU desde 2024 sobre irregularidades cometidas por entidades responsáveis por descontos associativos ilegais em benefícios previdenciários. 

Visão totalmente alinhada a Lula em tese de doutorado

A tese de doutorado apresentada por Jorge Messias no ano passado, na Universidade de Brasília (UnB), evidencia o estreito alinhamento do advogado-geral da União a Lula. Na dissertação, de 328 páginas, ele cita 54 vezes o nome de Lula, ignora os episódios de corrupção do PT e diz que o Mensalão e a Lava-Jato ocorreram graças ao “conservadorismo e autoritarismo do STF”, que teria atuado “de maneira partidarizada em detrimento de interesses do PT”.

Na tese, Messias também fez uma série de críticas a projetos políticos divergentes da esquerda e disse que a eleição de Jair Bolsonaro representou uma “trágica ascensão da extrema-direita”, enquanto o retorno de Lula é descrito como uma “reconstrução”. Para o atual AGU, o impeachment de Dilma teria sido um “golpe” e “uma dolorosa derrota daquele projeto político”.

Foi de iniciativa de Jorge Messias a criação da chamada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD) – apelidada por críticos de “Ministério da Verdade” – dentro da AGU, com a promessa de combater judicialmente a desinformação.  

Como mostrado pela Gazeta do Povo, desde sua criação a PNDD rejeitou todas as denúncias de desinformação apresentadas por adversários do governo. Em setembro, Messias foi um dos membros da gestão Lula que teve o visto revogado pelo governo norte-americano.

A gestão Trump revogou vistos de uma série autoridades brasileiras consideradas próximas ao ministro Alexandre de Moraes, visto pelo governo dos Estados Unidos como violador de direitos humanos.

Outro lado

A Gazeta do Povo entrou em contato com Messias e abriu espaço para posicionamento, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

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