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Conafer é uma das que mais fez descontos associativos

Alvo central da nova fase da Operação Sem Desconto, a Conafer aparece hoje como a segunda entidade que mais recebeu recursos provenientes de descontos associativos do INSS — mais de R$ 708 milhões, segundo a Polícia Federal (PF). O valor só é menor que o movimentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com cerca de R$ 3,6 bilhões. Mas, ao contrário da Contag, que possui estrutura sindical consolidada há décadas, a Conafer cresceu de forma súbita, silenciosa e sustentada por um padrão que chamou a atenção dos órgãos de controle. Mas como isso ocorreu?

O novo avanço da PF não apenas dimensiona o fluxo financeiro da entidade, mas lança luz sobre a engrenagem que permitiu sua expansão acelerada dentro da folha previdenciária. Para os investigadores, a capacidade de inserir descontos sem autorização de centenas de milhares de beneficiários não poderia ocorrer sem infiltração institucional, cooperação interna no INSS e proteção política externa. A investigação aponta a atuação articulada de três núcleos — operacional, financeiro e político — responsáveis por transformar a Conafer em peça-chave de um esquema nacional.

A fuga do presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes, único alvo de prisão ainda não cumprido pela PF, reforça a dimensão do caso. As investigações da CGU, da CPMI do INSS e da própria PF convergem para a mesma pergunta: como uma entidade criada para representar agricultores familiares conseguiu acessar e manipular um dos sistemas mais sensíveis do Estado brasileiro por tantos anos — e com tamanha autonomia?

Em nota à imprensa, a Conafer negou que Carlos estaria foragido, mas estaria “em viagem em área de difícil acesso e que apresenta limitações de comunicação”. A entidade também afirmou que “sua ausência não decorreu, em nenhum momento, de tentativa de evasão, ocultação ou resistência à atuação das autoridades públicas”. 

“A Conafer informa que o presidente já está em processo de retorno e se apresentará às autoridades competentes assim que tiver acesso aos autoz, conforme já comunicado à assessoria jurídica da Confederação, que acompanha todos os trâmites de forma transparente e colaborativa. A entidade reafirma que, desde o início das investigações, sempre se colocou à disposição para fornecer informações, documentos e esclarecimentos que se façam necessários, mantendo postura institucional de respeito absoluto às normas legais e às instituições responsáveis pela condução do processo”, afirmou a associação. Confira a nota na íntegra ao final da matéria.

Explosão de arrecadação e expansão atípica

A Controladoria-Geral da União (CGU) registrou crescimento abrupto nos valores recebidos pela Conafer por meio de descontos associativos. Em 2019, a entidade movimentou cerca de R$ 400 mil. Quatro anos depois, em 2023, esse número saltou para R$ 202 milhões. Entre 2021 e 2025, estimativas da PF apontam que o total pode ter alcançado R$ 688 milhões provenientes desses descontos — cifra próxima ao valor consolidado de R$ 708 milhões atribuído pelos investigadores.

Um dos períodos mais críticos ocorreu em 2020, no auge da pandemia. Um levantamento do INSS mostrou que, em apenas quatro meses, a Conafer registrou 95.818 novos associados, o equivalente a mais de 630 autorizações por dia. A entidade justificou o aumento afirmando que suas sedes físicas estavam fechadas, mas mantinha atendimento remoto. A explicação não foi considerada suficiente pelo órgão.

A CPI do INSS destacou que a Conafer passou a figurar entre as entidades com maior volume de descontos na folha de aposentados e pensionistas, superando confederações tradicionais. Para o presidente da CPMI, senador Carlos Viana, o crescimento “não se sustentava sob nenhuma lógica administrativa”.

Criada em 2011, durante o Encontro Nacional dos Sindicatos da Agricultura Familiar, a Conafer surgiu com o discurso de representar agricultores familiares, indígenas, quilombolas e assentados. Em poucos anos, porém, passou a atuar nacionalmente, ganhou presença em fóruns internacionais como a COP28, em Dubai, e o Fórum Econômico Mundial, em Davos, e ampliou sua estrutura de arrecadação.

A partir de 2022, as reclamações de beneficiários começaram a crescer em ritmo proporcional à arrecadação. A CGU registrou mais de 70 mil denúncias de aposentados que afirmaram desconhecer a filiação à entidade e contestaram descontos em seus benefícios.

Fichas fraudulentas, menores e até falecidos

A CPMI identificou que parte do crescimento da Conafer foi sustentado por fichas completamente irregulares. Segundo o relator Alfredo Gaspar, a entidade “ressuscitou” 87 mortos para efeito de desconto associativo em 2021. Em 2022, foram 61. Em 2023, o número explodiu para 2.083 mortos cadastrados como novos associados. No ano seguinte, mais 1.135 registros similares foram identificados.

Além disso, a comissão encontrou fichas assinadas em nome de menores de idade — inclusive crianças —, o que é legalmente impossível. Os documentos enviados pela própria entidade apresentavam assinaturas divergentes, datas incompatíveis e informações incoerentes com o período de suposto atendimento remoto alegado pela Conafer durante a pandemia.

Durante depoimento à CPMI, em 29 de setembro, Carlos Lopes negou irregularidades e afirmou desconhecer as fichas fraudulentas. Ele disse que a Conafer tinha 8 milhões de associados e que os casos levantados “muito lhe estranhavam”. Mesmo assim, admitiu que não poderia negar os dados apresentados pelos parlamentares.

A sessão terminou com a ordem de prisão em flagrante de Lopes, determinada pelo senador Carlos Viana, sob a acusação de falso testemunho. Segundo o parlamentar, o presidente da Conafer “omitiu informações e entrou em contradição ao falar do aumento da arrecadação, do ganho patrimonial e de seus sócios”. Lopes foi liberado após pagar fiança de R$ 5 mil.

Esquema era dividido em três núcleos, segundo a PF

As fases mais recentes da Operação Sem Desconto detalharam a estrutura interna das fraudes. A PF afirma que o esquema operava em três frentes:

• Núcleo operacional: responsável pela inserção de autorizações fraudulentas, manipulação de sistemas e criação de fichas irregulares, incluindo cadastros de mortos e menores.

• Núcleo financeiro: encarregado de lavar e movimentar os valores arrecadados. Segundo a PF, empresas de fachada — como pizzarias, imobiliárias e escritórios de advocacia — foram usadas para dissimular a origem dos recursos. A investigação aponta Cícero Marcelino de Souza Santos como operador financeiro do grupo.

• Núcleo político: composto por agentes públicos e parlamentares capazes de influenciar decisões internas do INSS e fornecer proteção institucional ao esquema. É nesse núcleo que aparecem nomes vinculados a repasses identificados pela PF.

Os investigadores afirmam que essa divisão permitiu que o esquema funcionasse de forma coordenada e com alto grau de profissionalização, o que explicaria a expansão contínua da Conafer entre 2019 e 2024.

A planilha da propina e os codinomes “Italiano” e “Heróis”

Uma das principais evidências apreendidas pela PF foi uma planilha detalhando supostos repasses mensais de propina. O documento inclui codinomes como “Italiano”, “Herói E” e “Herói V”, além de valores, datas e a indicação de despesas pagas a operadores e intermediários.

O deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) aparece vinculado ao codinome “Herói E”. Segundo a PF, ele seria “a pessoa melhor remunerada” na lista de pagamentos, o que indicaria sua relevância na estrutura política de sustentação do esquema. O parlamentar nega as acusações.

A PF afirma que a planilha sugere um modelo de repasse sistemático, que funcionaria como uma espécie de mensalidade política, garantindo proteção ao esquema. A defesa dos citados afirma que não há comprovação da autenticidade do documento.

Outro ponto central da investigação envolve o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto. Segundo a PF, ele recebia R$ 250 mil por mês entre junho de 2023 e setembro de 2024. Os valores teriam sido repassados por empresas de fachada ligadas aos operadores da Conafer.

Para a PF, seria impossível manter um esquema que envolveu mais de 600 mil beneficiários sem o apoio de altos gestores do INSS. Stefanutto teria atuado para facilitar inserções de dados, homologações e ajustes internos que mantinham o sistema vulnerável.

A defesa do ex-presidente nega o recebimento de propina e diz que não há comprovação de irregularidades.

Conafer diz que presidente não está foragido

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) vem a público prestar esclarecimentos formais diante das notícias que têm sido divulgadas por determinados veículos de comunicação, as quais, de maneira irresponsável e completamente dissociada dos fatos, afirmam que o presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes, estaria foragido da Justiça. Tal alegação é absolutamente inverídica e não encontra qualquer respaldo na realidade. O presidente da Conafer encontra-se em viagem em área de difícil acesso e que apresenta limitações de comunicação, o que explica a dificuldade de contato imediato. Ressalta-se que sua ausência não decorreu, em nenhum momento, de tentativa de evasão, ocultação ou resistência à atuação das autoridades públicas.

A Conafer informa que o presidente já está em processo de retorno e se apresentará às autoridades competentes assim que tiver acesso aos autoz, conforme já comunicado à assessoria jurídica da Confederação, que acompanha todos os trâmites de forma transparente e colaborativa. A entidade reafirma que, desde o início das investigações, sempre se colocou à disposição para fornecer informações, documentos e esclarecimentos que se façam necessários, mantendo postura institucional de respeito absoluto às normas legais e às instituições responsáveis pela condução do processo.

A Conafer manifesta, ainda, seu repúdio à forma sensacionalista com que parte da imprensa tem tratado o tema, distorcendo fatos, antecipando juízos e buscando criar narrativas que não condizem com a verdade, alimentando um ambiente de especulação que apenas prejudica a opinião pública e compromete a lisura do debate. A entidade defende a liberdade de imprensa, mas ressalta que tal liberdade deve vir acompanhada de responsabilidade na apuração e na divulgação de informações, especialmente quando envolvem lideranças e instituições representativas de milhões de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais de todo o país.

Confiamos plenamente na atuação séria e técnica das autoridades encarregadas das investigações e reiteramos que a Conafer continuará colaborando de forma integral e transparente, como sempre fez. Reafirmamos nosso compromisso com a verdade, com a legalidade e com a defesa dos direitos e da dignidade dos povos do campo, da floresta e das águas. A Confederação seguirá atuando com serenidade, confiança institucional e total disposição para o esclarecimento de quaisquer fatos, preservando a integridade de suas lideranças e a missão que exerce em todo o território nacional.

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