Não se sabe quantas pessoas tiveram suas redes sociais bloqueadas pelo Judiciário desde 2019, quando começou a onda de censura contra a direita no Brasil. Mas é certo que, entre os atingidos, há um contingente relevante de parlamentares, cuja função institucional é representar, pela palavra, milhões de eleitores.
“Um parlamentar é eleito pelo povo, por meio do voto direto e livre. Por isso, quando um parlamentar é calado ou censurado, não é somente uma voz individual que se apaga, mas a voz de milhões de brasileiros que ele representa”, afirma o senador Marcos Pontes (PL-SP).
Levantamento da Gazeta do Povo (veja abaixo) identifica ao menos 13 parlamentares que, entre 2019 e hoje, tiveram perfis inteiros bloqueados por ordem judicial, todos direitistas. Do outro lado do espectro, André Janones (Avante-MG) já teve postagens removidas, mas nunca chegou a ter suas contas bloqueadas. Uma contagem exaustiva dos censurados é inviável porque o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantêm parte das decisões de seus inquéritos sob sigilo, e pedidos formais do jornal por dados agregados não foram respondidos.
“Essa caçada à liberdade de expressão implacável é só contra parlamentares de direita e conservadores, contra jornalistas de direita e conservadores. É só de um lado do espectro. É muito explícito o que a gente está vivendo no Brasil hoje. Um regime ditatorial, uma censura escancarada”, critica o senador Eduardo Girão (Novo-CE).
A Constituição dá proteção reforçada à palavra do parlamentar, afirmando em seu artigo 53 que os deputados e senadores são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Esse tratamento especial serve justamente para resguardar o debate público e a representação do eleitor.
“Se os parlamentares não podem apresentar denúncias, não têm o direito de palavra, de expressão, então realmente temos um problema com a nossa democracia”, afirma o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Considero bastante grave o que está acontecendo. Não me lembro de nenhum precedente que a gente tenha nesse sentido desde o regime militar.”
Marcos Pontes recorda que “a imunidade parlamentar não é um privilégio pessoal, mas uma proteção institucional”. “Serve para assegurar que cada parlamentar possa defender seus eleitores, denunciar abusos, garantir as liberdades e cobrar responsabilidades sem medo de perseguição ou censura política. A imunidade protege a liberdade de expressão do parlamentar no exercício do seu mandato, justamente para que ele denuncie e debata questões de interesse público sem retaliações”, diz o senador.
Para Caldas, sob o pretexto da proteção da democracia – seja em relação aos atos do 8 de janeiro, seja em relação a críticas ao sistema eleitoral –, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão atacando a própria Carta Magna. “Usar o conceito de fake news como forma de silenciar não apenas os parlamentares, mas sites, canais e influenciadores, é um ataque à Constituição.”
Pontes vê “uma banalização perigosa do silenciamento político” e um “autoritarismo disfarçado em belas palavras”. “Calar opiniões não é um ato de justiça nem uma proteção do Estado Democrático de Direito. Na verdade, é o contrário, é um ataque direto à essência do princípio do Estado Democrático de Direito”, diz. “O Brasil é feito de muitas vozes e todas merecem ser ouvidas.”
Parlamentares vivem sob ameaça de censura e receio de retaliações
Uma das consequências da banalização do silenciamento de deputados e senadores é que os parlamentares precisam medir palavras com especial cuidado, já que vivem sob ameaça de censura ou retaliações.
“Está se criando no Brasil um regime de medo. Parlamentares não estão conseguindo mais executar plenamente a sua função, porque estão dominados pelo medo. Têm medo da perseguição”, afirma Ricardo Caldas.
Na onda de normalização da censura contra parlamentares direitistas, alguns deles têm sofrido ameaças dos próprios colegas. Em agosto deste ano, por exemplo, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) apresentou uma representação ao STF contra seu conterrâneo Nikolas Ferreira (PL-MG), pedindo o bloqueio de suas redes, sob o argumento de que um discurso seu em uma manifestação na Avenida Paulista incitou ataques à Corte.
“É um absurdo um deputado pedir para silenciar o outro porque fez críticas ou ao STF, ou ao governo, ou à própria Câmara, ou ao que for. A crítica não pode mais ser aceita?”, questiona Caldas, para quem existe uma tendência de “judicialização desnecessária”. “Quando eu não consigo viver com aquela pessoa que tem uma opinião contrária a minha, ou que me criticou, não tenho condições de viver em uma democracia.”
O professor considera antidemocrática a noção cada vez mais comum na elite estatal de que instituições não podem ser criticadas. “Se o cidadão não pode fazer críticas a uma das instituições que supostamente existem para defender a liberdade de opinião, então, há um contrassenso aí, há uma contradição, tem alguma coisa errada”, afirma.
Com a tendência de politização do Judiciário, Caldas alerta que o clima de caça às bruxas que invadiu o Congresso nos últimos anos pode acabar contaminando internamente o próprio Supremo. “Basta ver a pressão que o ministro Luiz Fux tem recebido dos seus colegas pelo voto divergente”, comenta.
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