A inteligência artificial já deixou de ser uma abstração técnica e passou a operar como uma força de ruptura visível dentro das empresas. Foi essa a perspectiva apresentada pelo professor André Filipe Batista, do Insper, durante o Voices, evento realizado por Valor Econômico, O Globo, CBN, Época NEGÓCIOS, Pequenas Empresas & Grandes Negócios, TechTudo e Rádio Globo nesta quarta-feira (10), no Museu de Arte do Rio.
Ao discutir megatendências de inovação e tecnologia, ele comparou o avanço da IA ao que Vital chamou de “cisne vermelho”, uma ruptura evidente que altera a forma de trabalho. “Muda o paradigma, muda a forma de trabalho”, afirmou.
Segundo ele, a discussão que antes orbitava em torno de ferramentas isoladas agora se desloca para sistemas autônomos, infraestrutura distribuída, confiança digital e novas formas de interação humano-máquina. E essas transformações, diz, não chegam em cadência previsível. “Todas essas tendências vão acontecer ao mesmo tempo.”
Agentes autônomos avançam, enquanto lideranças buscam novas respostas
O professor destaca que 72% das empresas já utilizam IA generativa em suas rotinas e que 30% atribuíram à alta liderança a responsabilidade por essa agenda. O avanço dos agentes de inteligência artificial, capazes de receber objetivos e operar com autonomia em ecossistemas complexos, deve ampliar essa pressão. “Você não fala o como, você fala o objetivo”, disse, ao explicar o funcionamento desses sistemas.
Esse tipo de arquitetura permite especificidade de tarefas e intervenção humana mínima, com supervisão reforçada em contextos de maior risco. Mas também abre um conjunto de desafios organizacionais. Para ele, as lideranças precisarão lidar com vieses, resistências internas e novas formas de colaboração entre pessoas e sistemas inteligentes. “A questão é como o líder vai lidar com responsabilidade e com a resistência das equipes.”
A aceleração técnica, porém, esbarra em barreiras materiais. A operação de agentes exige computação e energia em escala, o que recoloca o tema dos data centers no centro da estratégia global. Países do Oriente Médio disputam investimentos, enquanto o Brasil tenta se posicionar com energia mais barata e abundante. Previsão citada pelo professor indica que o consumo energético dos data centers deve mais do que dobrar até 2030, reforçando o peso da infraestrutura na adoção de IA.
De nuvem distribuída aos gêmeos digitais: o redesenho das plataformas e da operação
A fragilidade da dependência total da nuvem, exposta pela instabilidade recente envolvendo a Cloudflare, empurra empresas para uma lógica mais distribuída. O professor cita o avanço do edge computing, no qual o processamento volta para a ponta. O exemplo destacado é o supercomputador compacto da Nvidia, que permite criar modelos próprios de IA sem depender da internet.
Esse movimento se soma ao redesenho das plataformas digitais. O caso da Magazine Luiza, que integrou um “cérebro cognitivo” à persona Lu e consolidou todo o fluxo transacional dentro do WhatsApp, ilustra a tendência de levar a IA para o canal dominante do consumidor brasileiro. A etapa seguinte, afirma, é construir confiança digital, em linha com as quatro dimensões de governança citadas pelo Gartner: explicabilidade, qualidade no desenvolvimento, segurança de aplicativos e privacidade.
No plano operacional, ganham velocidade os gêmeos digitais e os ambientes industriais aumentados por IA. Ele cita uma demonstração do SENAI Cimatec, em Salvador, na qual sistemas de visão computacional adaptavam instruções de montagem em tempo real ao nível de expertise do operador. É, segundo o professor, um exemplo claro de ‘human in the loop’, mecanismo em que “a gente coloca o ser humano no processo”.
Pagamentos, trabalho aumentado e a fricção da aceitação social
A apresentação também destacou o protagonismo brasileiro nas infraestruturas públicas digitais, especialmente os trilhos criados pelo Banco Central com o Pix e suas extensões programáveis. Nesse ambiente, já surge a possibilidade de transações realizadas entre agentes de IA. “É agente com agente”, explicou.
Mas o avanço tecnológico não elimina barreiras culturais. O professor citou estudos que avaliam a aceitação social da automação, distinguindo o que é tecnicamente viável do que a sociedade está disposta a permitir. Profissões como professores ou babás aparecem em um quadrante em que a substituição é possível, mas rejeitada. “A sociedade não vai achar natural que uma IA seja babá de uma criança”, disse.
Nesse contexto, o trabalho aumentado emerge como tendência central, com redistribuição de tarefas e novas funções. Mas a adoção depende de mais do que eficiência. “A tecnologia vai avançar, mas a aceitação social não necessariamente vai caminhar na mesma linha.”
O Voices é uma iniciativa da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, com patrocínio da Prefeitura do Rio e Secretaria Municipal de Educação, apoio da Zapt, patrocínio das trilhas por Claro Empresas e Insper e parceria da Play9.
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