Após a condenação de Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão por suposta trama golpista, o presidente do seu partido, Valdemar Costa Neto, articula um discurso que tenta, ao mesmo tempo, preservar a força eleitoral e o legado do ex-presidente e líder da direita e evitar o isolamento político.
Essa estratégia do dirigente da legenda dona da maior bancada na Câmara parte do reconhecimento formal das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Ela é um sinal de respeito institucional, mas também quer defender que o Congresso exerça a prerrogativa de decidir sobre a anistia, como saída pela pacificação.
Ao mesmo tempo, Valdemar busca posicionar o PL mais próximo do centro, reduzindo o tom de confronto direto com o Judiciário e abrindo espaço para alianças futuras com a centro-direita, de olho em nova fase da legenda e, ainda, na construção de espaços de convergências para as eleições de 2026.
Em entrevistas que deu nos últimos dias, o cacique partidário se referiu à ala do PL mais próxima de Jair Bolsonaro como “pessoal da direita”, cuja face mais resistente é a do deputado Eduardo Bolsonaro (SP). Sem reprimendas, ele avisa que tem tomado decisões junto com o ex-presidente.
Valdemar admite existência de plano de golpe e tem confiança na urna eletrônica
Questionado sobre o 8 de Janeiro, Valdemar admitiu que “se falou muito em golpe”, mas minimizou qualquer articulação concreta, dizendo que nada evoluiu para execução. Ele classificou os atos em Brasília como baderna de pés-de-chinelo, sugerindo existir infiltrados e leniência do governo federal.
A afirmação de que houve planejamento de golpe não-concretizado foi dada por Valdemar em fala durante o “Rocas Festival”, evento de luxo do setor equino realizado em Itu (SP) no sábado (13). Diante da grande repercussão negativa, sobretudo de aliados de Bolsonaro, o dirigente disse nesta segunda (15) ter se expressado mal. “É claro que não falei nesse sentido. Minha fala foi feita com uma condicionante: se tivesse, imagine que tivesse, vamos supor que tivesse… Foi no campo do imaginário. E está claro: nunca houve planejamento, muito menos tentativa. O próprio ministro do Supremo, Luiz Fux, já confirmou isso”, afirmou Valdemar, à CNN Brasil.
Valdemar chegou a dizer no evento que não duvida do sistema eletrônico de votação, embora endosse a cobrança pelo reforço à sua confiabilidade. Ele justificou a contestação do PL aos resultados de determinado contingente de urnas ao fim da eleição de 2022 como uma concessão que fez a pressões internas.
Segundo analistas, esse pragmatismo de Valdemar pode até protagonizar gafes, como a ocasião em que reagiu ao voto divergente de Luiz Fux no julgamento de Bolsonaro. Ao apontar o ministro do STF como potencial candidato ao Senado devido à popularidade da sua decisão, induz suspeita à isenção dele.
Pensando em contextos futuros, Valdemar imagina Bolsonaro como figura inspiradora e histórica a ser reverenciada, chegando a compará-lo ao papel de Che Guevara para a esquerda, destacando a sua capacidade de transferir votos e o seu carisma junto às massas, incluindo da parcela mais jovem.
Para especialistas, dirigente do PL apenas confirma sua própria tradição centrista
Leandro Gabiati, da consultoria Dominium, avalia que o empenho de Valdemar para posicionar o PL junto ao centro reflete o perfil pragmático do dirigente em sua longa trajetória. Ao admitir planejamento de golpe e ao chamar filiados como “a direita”, o presidente do PL só confirma seu perfil centrista.
“Valdemar sempre foi um político com comportamento ideologicamente de centro e nunca deixou de ser. A aliança com Bolsonaro foi um movimento inteligente, que permitiu ao PL ter hoje o maior número de deputados e acesso às maiores fatias individuais do fundos partidário e eleitoral”, diz.
Ele lembra que Valdemar nunca posicionou o PL contra as urnas eletrônicas, por exemplo. Neste sentido, o reconhecimento da sentença do STF contra Bolsonaro por parte do presidente do partido do ex-presidente faz parte dessa postura mais institucionalista, apesar de causar irritação de aliados.
Marcus Deois, diretor da consultoria Ética, vê grande desafio para Valdemar reposicionar o PL no centro, devido a apoiadores e membros da direita não abdicarem de ter Bolsonaro como candidato. “Mandatos parlamentares dependem dessa narrativa. Mas o dirigente do partido busca voto e se pauta pelas pesquisas”, resume.
Após condenação de Bolsonaro pelo STF, cacique do PL foca em acordo pela anistia
Valdemar afirmou que as penas aplicadas pela Primeira Turma do STF a Bolsonaro e outros réus são “exageradas”, mas que a condenação deve ser respeitada. Ele também frisou ser preciso registrar que “não há lei” a impedir o Legislativo de anistiar e tornar o ex-presidente elegível.
O presidente do PL afirma já contar com o apoio do PP e do União Brasil para a anistia e cobra também uma posição clara do Republicanos, cujo principal nome, Tarcísio de Freitas, se tornou o principal líder do movimento. Gilberto Kassab, presidente do PSD, também tem acenado em favor do perdão.
Sobre 2026, Valdemar reitera que o PL seguirá a decisão de Bolsonaro, caso se cristalize de vez a inelegibilidade dele, optando pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ou por outro nome para disputar a Presidência pela direita, cabendo ao ex-presidente “ungir” o escolhido.
Eduardo Bolsonaro lidera a ala mais à direita do partido e resiste a Tarcísio
O deputado Eduardo Bolsonaro (SP) reagiu ao avanço político de Tarcísio e chegou a dizer que, se o governador se filiar ao PL, ele e sua família podem deixar o partido. Para ele, a presença de Tarcísio ameaça o espaço da família Bolsonaro e expõe rachas entre conservadores.
Contando com o endurecimento das pressões da Casa Branca em favor da reversão da situação judicial do pai, Eduardo Bolsonaro aposta na anistia ou numa decisão que permita o ex-presidente recuperar os direitos políticos. Caso Jair Bolsonaro siga inelegível, Eduardo se coloca como opção viável.
O deputado já comentou sobre a possibilidade de deixar o PL caso certas articulações internas se consolidarem — especialmente a que consagraria Tarcísio como candidato do partido de Bolsonaro. Para ele, a filiação do governador poderia alterar a liderança de sua família dentro da sigla. Antes de deixarem o PSL e entrarem no PL, no fim de 2021, os Bolsonaro tentaram desde 2019, em vão, criar o próprio partido, o Aliança pelo Brasil.
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