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Trump prepara terreno para neutralizar Maduro

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O envio do porta-aviões USS Gerald R. Ford e de mais de dez mil militares norte-americanos para o Caribe intensificou a tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela nas últimas semanas. As operações navais, somadas à autorização do presidente Donald Trump para que a CIA execute missões de inteligência em território venezuelano, colocaram o regime do ditador Nicolás Maduro sob a maior pressão desde 2019.

Washington acusa Caracas de atuar como base de uma rede do narcotráfico, o chamado Cartel de Los Soles, que seria comandado pelo ditador Maduro. O regime venezuelano, por sua vez, afirma que a presença militar dos Estados Unidos próxima ao seu território é uma “provocação” e uma tentativa da Casa Branca de forçar uma mudança de regime no país.

Para analisar este cenário de tensão, a Gazeta do Povo entrevistou Ricardo S. De Toma, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e pesquisador do Grupo de Estudos em Defesa Nacional, Fronteiras e Migrações (Gedefrom) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro. De Toma falou sobre possíveis desdobramentos dessa tensão militar, o papel da CIA e os prováveis efeitos de uma operação norte-americana contra o regime de Maduro.

A seguir, leia a entrevista:

Como o senhor avalia o cenário de tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela, especialmente após a autorização de Trump para a realização de operações da CIA em solo venezuelano e as recentes movimentações militares americanas no Caribe?

É um cenário propício à securitização de agendas e ao reajuste de interesses pouco confessáveis. A ausência de legitimidade e legalidade das autoridades em Caracas tem permitido a Trump reforçar narrativas de campanha: da estereotipação e criminalização de migrantes, especialmente latinos, à imputação aos democratas de responsabilidades pelo estado da segurança pública. A sobrevalorização da facção criminosa Tren de Aragua (TdA) inflamou o discurso das ameaças e justificou a expulsão de migrantes para El Salvador. Em seguida, a designação do TdA como organização narcoterrorista autorizou o uso de força letal, criando um novo marco operacional das Forças Armadas. Com as ordens executivas que tratam o Cartel de los Soles como ameaça à segurança nacional e a elevação das recompensas sobre a cúpula do regime, penso que o próximo passo pode ser a neutralização de Maduro.

Há sinais concretos de que Washington possa considerar de fato realizar uma operação militar em solo venezuelano ou essa movimentação toda no Caribe trata-se apenas de uma demonstração de força e “guerra psicológica”?

Há componente psicológico, mas ninguém usa um maçarico para repelir um mosquito. Existem regras operacionais ligadas à proporcionalidade dos meios e à temporalidade das ações, inclusive na economia de recursos. Os ativos militares concentrados no entorno caribenho venezuelano já registraram uso de força letal na ZEE [Zona Econômica Exclusiva] e possivelmente no mar territorial. Recentemente, B-52s [bombardeiros estratégicos da Força Aérea dos EUA] circularam por horas na FIR Maiquetía [Região de Informação de Voo da Venezuela] sem registros de voos de reconhecimento da Força Aérea venezuelana. Depois, helicópteros de combate dos EUA foram avistados no limite com Trinidad e Tobago, a menos de 150 km da costa venezuelana.

Que tipo de repercussão uma possível operação militar norte-americana em solo venezuelano teria na América Latina, especialmente em países ou governos aliados de Maduro, como Cuba, Nicarágua, Colômbia e o próprio Brasil? Você acredita que poderia ocorrer uma reação coordenada desses governos para apoiar militarmente a Venezuela?

Você menciona países governados democraticamente pela esquerda, com exceção de Cuba e Nicarágua. Minha primeira observação: nas atuais circunstâncias, o único partner in crime de Maduro é Daniel Ortega. O regime cubano já descartou apoiá-lo militarmente em caso de conflito, segundo o vice-chanceler. O Brasil “deu um gelo” após a fraude eleitoral, e o presidente Lula já se referiu à Venezuela como um regime desagradável; mesmo com ambiguidades no discurso, não vejo o Brasil como aliado. Na Colômbia, o presidente [Gustavo] Petro adotou certa parcimônia, ele condenou os ataques às lanchas e afirmou que não reconhece o governo da Venezuela; porém, há a sensação de que ele é favorável ao status quo agindo como um parceiro disfarçado de Maduro. Caso ocorram ações cinéticas, as reações latino-americanas devem se limitar a reuniões e notas de repúdio. O regime de Maduro é praticamente radioativo e conseguiu fraturar ou pelo menos corroer a unidade entre governantes de esquerda.

Se a situação escalasse, os EUA poderiam também acionar a Otan para sanções ou operações?

Em uma operação, os EUA poderiam solicitar apoio específico de inteligência ou uso de espaços geográficos de potências europeias presentes no Caribe, especialmente do Reino dos Países Baixos e da França. Em questões mais complexas, contariam com plena colaboração britânica, para minimizar riscos e incrementar a efetividade das operações.

A Venezuela tem capacidade real de resistência diante de uma eventual incursão norte-americana?

Veja, a realidade é tão crítica que é evidente para os próprios cidadãos desse país. Não há sistemas de abastecimento eficientes nem capacidade de logística militar. Para não entrar em detalhes, citarei unicamente três categorias básicas segundo manuais da Otan. Quanto aos suprimentos vitais de subsistência (Classe I), não existem reservas que garantam o rancho conforme as necessidades de um soldado. Em um país produtor de petróleo, não há logística para combustíveis, óleos e lubrificantes (Classe III), fundamentais para mobilizações. E nem [vamos] falar de munições (Classe V).

Qual seria o papel das milícias venezuelanas e de outros grupos armados latino-americanos dentro dessa estratégia de defesa do regime de Maduro?

A própria população venezuelana chama os milicianos de “milancianos” ou “milanciões”. O povo até sente compaixão deles pelas carências e pelo extremo nível de necessidade dessas pessoas que são encaminhadas a atos improvisados e que recebem, em troca, alguns alimentos ou bônus econômicos. Outros assumem aquilo como alguma distração ou brincadeira. Como venezuelano, vejo isso como mais um ato de perversidade política. O que existe, sim, são células criminosas “coletivos”, “sindicatos”, “trem”, gangues e facções com uma espécie de carta de corso para amedrontar, extorquir e controlar áreas (“comunas”, “zonas de paz”, “quadrantes de paz”); a esses grupos é permitido delinquir sob lógica laissez-faire, desde que não confrontem os corpos de segurança do Estado. Também é conhecida a presença do ELN [Exército de Libertação Nacional, guerrilha colombiana] e de grupos dissidentes das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] em território venezuelano. Entendo que a interoperação de alguns desses grupos criminosos pode, eventualmente, ser conjugada ao método tático de resistência revolucionária.

Como a China e a Rússia podem reagir a uma eventual incursão militar dos EUA na Venezuela e ao controle militar norte-americano sobre a América Latina?

Para a Rússia, uma invasão poderia até ser geopoliticamente conveniente: atribuiria responsabilidades aos EUA e permitiria recrudescer a agressão à Ucrânia. Para a China, a Venezuela tornou-se uma dor de cabeça, sobretudo pela insolvência no cumprimento de obrigações contratuais que geraram grande dívida. O regime de Maduro tenta vender a ideia de que Rússia e China são parceiros estratégicos da Venezuela, e de fato alguns convênios foram assinados; no entanto, a meu ver, isso não passa do discurso. Convém lembrar o destino de Bashar al-Assad após a grande campanha de apoio russo na Síria e a recente recepção de Ahmed al-Sharaa pelo próprio Putin em Moscou.

O Brasil pode ser afetado por essa escalada, direta ou indiretamente?

Depende de vários fatores. Se Trump autorizar operações voltadas a vender a notícia sem resolver a suposta ameaça, a Venezuela pode experimentar a fratura do Estado nacional e a proliferação de grupos subversivos que erodam a ordem, elevando fluxos migratórios e afetando diretamente o Brasil. Do mesmo modo, qualquer erro de cálculo nas operações norte-americanas pode conduzir a esse cenário. Entre outros riscos, não descarto sanções ao Brasil, caso o país lidere iniciativa regional de repúdio político e diplomático às operações dos EUA.

Qual deveria ser a postura diplomática e de defesa brasileira diante desse quadro de tensão regional?

Cumprir os princípios constitucionais, em especial, a missão de garantir a solução pacífica de conflitos e o repúdio ao terrorismo, entendendo que o respeito à soberania e ao princípio da não intervenção também deve admitir a não indiferença. A inteligência brasileira precisa identificar quem é o inimigo do povo venezuelano, ouvindo os próprios venezuelanos que amanhã serão brasileiros.

A CIA atualmente tem capacidade de derrubar o regime de Maduro sem a necessidade de uma operação militar em solo venezuelano?

A CIA nunca deixou de operar na Venezuela. Tais ações não devem ser compreendidas como missões permanentes: cada ação-operação tem objetivos específicos de tempo, espaço e circunstâncias. A CIA fez muitas cosas durante o governo de [Hugo] Chávez que nem foram admitidas ou denunciadas publicamente. Com Maduro ocorreu o mesmo, incluso envolvendo a filtração de agentes de G-2 Cubano. Recentemente ocorreu aquele evento do pessoal retido na embaixada da Argentina, sob a representação do Brasil, as denominadas “extrações” ilustram esse tipo de operações, limpas, sigilosas e cirúrgicas. Do mesmo modo, não descarto a presença do Mossad [agência de inteligência de Israel], dada a presença de terroristas do Hamas e do Hezbollah no país. Trump fez esse comentário de forma deliberada. A Venezuela de hoje é prato cheio para os serviços de inteligência do mundo todo.

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