InícioBrasilSTF se arma contra anistia geral e pode aceitar acordo light

STF se arma contra anistia geral e pode aceitar acordo light

Publicado em

SIGA NOSSAS REDES SOCIAS

spot_img

Em resposta a uma possível anistia geral para os condenados pelos atos de 8 de janeiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se movimenta para barrar a medida. A avaliação interna e de especialistas é de que, mesmo se aprovada pelo Congresso, a anistia dificilmente passaria pelo crivo dos ministros do STF. Em paralelo alguns ministros do STF e senadores trabalham nos bastidores para tentar transformar o projeto de anistia ampla, geral e irrestrita em uma diminuição de penas para manifestantes que participaram dos protestos que não inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ministros do Supremo consideram a proposta inconstitucional, uma vez que crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderiam ser perdoados. A posição consta em declarações de ministros.

O ministro Alexandre de Moraes enfatizou durante o julgamento de Bolsonaro: “Não cabe indulto pelo presidente, não cabe anistia pelo Congresso e não cabe perdão judicial pelo Poder Judiciário em crimes contra a democracia, crimes que atentem contra o Estado Democrático de Direito, crimes que atentem contra as cláusulas pétreas da Constituição”, declarou.

O ministro Flávio Dino sinalizou que a Corte tem maioria para barrar no STF uma proposta de anistia. Ao votar pela condenação, destacou que crimes contra a democracia, pela jurisprudência do Supremo, não são “perdoáveis”.

Esses ministros argumentam com um caso recente: o episódio do ex-deputado Daniel Silveira, beneficiado em 2022 por um indulto concedido pelo então presidente Jair Bolsonaro. Em 2023, o STF declarou a medida inválida, com a maioria seguindo o voto da então ministra Rosa Weber. Ela argumentou que o decreto presidencial violava os princípios da impessoalidade e da moralidade, já que em sua opinião fora editado exclusivamente para proteger um aliado político condenado. Esse precedente, segundo a avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem, pesa diretamente sobre o debate atual.

O ministro aposentado Celso de Mello, decano do STF até 2020, reforçou a posição da Corte em entrevista ao Globo. Ele lembrou que o tribunal já consolidou jurisprudência segundo a qual atos de clemência — graça, indulto e anistia — podem ser submetidos a controle judicial. Para o ex-ministro, a proposta em discussão no Congresso viola a separação de Poderes e afronta a Constituição por tentar beneficiar quem atentou contra o Estado Democrático de Direito.

Celso de Mello destacou ainda que a iniciativa equivale a transformar o Legislativo em uma espécie de “órgão revisional anômalo” das decisões do Supremo, o que considera institucionalmente inaceitável.

Apesar da postura dura, há um caminho para o diálogo. Alguns ministros aceitam uma saída intermediária para os condenados do 8 de Janeiro: a chamada anistia light, segundo duas fontes ligadas à cúpula do STF, que pediram para não ter os nomes revelados por tratarem de assunto sensível.

A proposta, sugerida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), não incluiria Jair Bolsonaro e criaria uma nova categoria penal para enquadrar quem foi considerado massa de manobra. Se aprovada, ela reduziria penas por meio da reclassificação jurídica, sem extinguir todos os processos.

Já a anistia ampla, geral e irrestrita, defendida pelo PL, é vista pelos ministros como afronta direta ao Judiciário. Esse modelo encerraria inquéritos em curso desde 2019 — das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos — e perdoaria investigados ainda não julgados.

A reportagem apurou que o avanço da anistia vem sendo discutido entre os parlamentares e os ministros Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino, que integram a Primeira Turma do STF. Senadores e esses ministros do Supremo trabalham para que prevaleça uma alternativa ainda sem texto conhecido, que excluiria Bolsonaro e apenas reduziria penas para outros réus, o inverso dos projetos de anistia ampla.

Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes usou o início do julgamento do Bolsonaro para advertir: “A História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”.

O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, tem feito ponderações em duas frentes. Segundo Barroso, a anistia antes de julgamento é juridicamente impossível, mas reconheceu que, após condenações, o tema se torna “uma questão política”. Ainda assim, em discurso no Rio, classificou o processo como oportunidade de romper com o “ciclo de atrasos institucionais” do Brasil, marcado por golpes e contragolpes.

STF terá que ser provocado para declarar anistia inconstitucional

Na avaliação de Rócio Barreto, analista de risco político, “o STF pode ser provocado a se manifestar através de ação direta de inconstitucionalidade, ou outro instrumento, caso a anistia seja entendida como violação de princípios constitucionais”.

O analista disse que, embora o texto apresentado seja conhecido e de caráter político, o STF pode avaliar que o projeto “afronta a questão constitucional da separação dos poderes, o princípio da moralidade administrativa e a ideia de responsabilidade do agente público”. Nesse sentido, ele afirmou que a Corte teria espaço para declarar a inconstitucionalidade do texto de forma total ou parcial, o que poderia “colocar em dúvida não só o projeto, mas também a força política do Congresso para aprová-lo”.

Barreto ainda destaca que a anistia “pode abrir espaço para uma nova fase de enfrentamento institucional, ampliando a questão da instabilidade”. Segundo ele, o STF pode ver o projeto de lei como uma tentativa de deslegitimar decisões judiciais já consolidadas. No cenário atual, isso pode gerar uma crise institucional entre os três poderes.

O jurista Fabricio Rebelo também avalia que o STF pode considerar o projeto de lei inconstitucional e retirar sua vigência, se for questionado. “Todo ato normativo pode, em tese, ser questionado junto ao Poder Judiciário, o que faz com que a última palavra seja dele”, disse.

Rebelo menciona como exemplo o caso do indulto ao Daniel Silveira. “Embora tenha sido um ato do Executivo, é uma clara demonstração de que, se o STF não concordar, pode cassar determinações dos outros poderes”. Ele complementa que o equilíbrio entre os poderes depende da “autocontenção do Judiciário para não invadir as atividades dos outros”. “Se essa autocontenção não for respeitada, a independência entre os poderes se torna uma ficção, e o Judiciário fica em um patamar superior ao Executivo e ao Legislativo”.

STF pode usar emendas como “chantagem” para barrar anistia

O embate entre os Poderes pode ir além da discussão jurídica e entrar no campo da política. Para além de declarar a anistia inconstitucional, o STF pode recorrer a um trunfo que tem nas mãos: a revogação das emendas parlamentares — que transferem verbas do Orçamento para as bases eleitorais dos parlamentares. O tema já é objeto de ações relatadas pelo ministro Flávio Dino, que em agosto de 2024 chegou a suspender os pagamentos por falta de transparência nas indicações.

O analista político Alexandre Bandeira avalia que, caso o STF reaja contra a anistia interferindo nas emendas, o ato será considerado uma “chantagem” – porque a decisão não será sobre a matéria, mas sobre uma outra pauta”.

“Se o STF usar as emendas parlamentares como coringa na mesa de negociação, pode soar como chantagem. O Congresso pode responder na mesma moeda, pautando temas como supersalários e férias de 60 dias no Judiciário. A disputa perde caráter técnico e entra no campo da retaliação”, declarou.

Anistia não pode ser barrada pelo STF por ser ato político e não jurídico, diz defesa de réus

Na visão de advogados que atuam na defesa de presos do 8 de Janeiro, o Supremo não teria legitimidade para barrar um eventual perdão legislativo. O criminalista Geovane Veras, que representa 41 acusados, sustenta que a anistia é “ato político e não jurídico” e, portanto, não seria passível de revisão pelo Judiciário.

Segundo ele, o controle de constitucionalidade nesse caso configuraria invasão de competência exclusiva do Congresso, “que possui legitimidade popular para aprovar a lei de anistia”. Veras também afirma que não vê risco de agravamento na relação entre os poderes caso a proposta avance, já que a Constituição prevê mecanismos de equilíbrio, como os freios e contrapesos. Para o advogado, “está passando da hora de o Senado exercer o seu papel de conter os excessos de alguns ministros do STF, que rasgaram a Constituição, fazendo interpretações de acordo com a conveniência de cada um”.

  • Após reunir milhares de manifestantes, direita reforça apelo pela anistia em meio ao julgamento de Bolsonaro

  • Congresso

    Projetos de anistia em debate no Congresso vão de “ampla, geral e irrestrita” à versão “light”

Tarcísio tenta costurar acordo para votar anistia

O debate avança também sob a influência do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tenta costurar apoio entre aliados de Bolsonaro. O governador de São Paulo teria conversado com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sobre o tema. Nos bastidores, a estratégia é lida como tentativa de Tarcísio de se consolidar como nome viável para a oposição em 2026, sem romper de imediato com o ex-presidente.

Apesar das articulações, Motta disse na última quinta (4) que ainda não há decisão sobre levar ao Plenário o projeto de anistia aos acusados de tentativa de golpe de Estado. Segundo ele, o tema segue em discussão com as lideranças partidárias, tanto favoráveis quanto contrárias à proposta.

Na avaliação do líder da Oposição na Câmara, Zucco (PL-RS), “a anistia plena é o caminho para restabelecer a normalidade institucional e pacificar o país”. Ele defende o projeto que garante a “anistia ampla, geral e irrestrita para alcançar todos os atingidos por investigações e ações ligadas aos fatos ocorridos antes, durante e depois das eleições de 2022, bem como os atos de 8 de janeiro – incluído o Bolsonaro”.

“Sustento que a anistia deve abranger todos, para evitar que inocentes sigam punidos e que irregularidades processuais perpetuem injustiças”, complementa.

Ao ser questionado sobre um possível enfrentamento ao STF, Zucco destacou que “não se trata de enfrentar”, mas de garantir a “prerrogativa constitucional de legislar e conceder anistia em fatos de natureza política”. “Já tivemos isso ao final dos governos militares, quando todos foram alcançados pela anulação das acusações, inclusive sequestradores e assaltantes de bancos. Aprovar a anistia é reequilibrar os poderes, devolver previsibilidade jurídica e encerrar um ciclo de excepcionalidade processual. O diálogo institucional continuará, mas a Câmara não se furtará ao seu dever de pacificar e virar essa página”, concluiu.

Oposição não abre mão de anistia para Bolsonaro

A oposição no Congresso Nacional defende que um eventual projeto de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 deve incluir, de forma explícita, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Parlamentares do PL argumentam que não há provas concretas contra ele e que a medida é essencial para pacificar o país, reafirmando a independência do Legislativo.

O deputado Sanderson (PL-RS), vice-líder da oposição, ressalta que o projeto de lei deve contemplar o ex-presidente. “Ficou bastante claro durante o processo que não há prova concreta de nada”, afirmou. Ele diferencia a anistia, que exige aprovação de Câmara e Senado, do indulto concedido a Daniel Silveira, que foi um ato administrativo. “Não vejo risco algum, porque o caso do Daniel Silveira não passou pelo Congresso Nacional”, explicou Sanderson.

Governo e PT se unem contra anistia

O Partido dos Trabalhadores (PT) e os governistas têm uma posição clara contra a anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, especialmente se a medida for “ampla, geral e irrestrita”, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Eles argumentam que conceder anistia seria uma forma de legitimar crimes contra a democracia e de dar um “prêmio” a criminosos.

A principal estratégia do PT e dos governistas é articular uma forte oposição no Congresso, além de um amparo jurídico. O deputado federal Rui Falcão (PT-SP), por exemplo, acionou o STF com uma representação contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por sua articulação em favor da anistia.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se manifestou sobre o tema, alertando que a direita ainda tem força no Congresso e que o projeto corre o risco de ser aprovado se for pautado. Nesta segunda (8), a ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, cobrou dos ministros que atuem junto aos líderes partidários para evitar o avanço da anistia.

@jornaldemeriti – Aqui você fica por dentro de tudo.
Fala com a gente no WhatsApp: (21) 97914-2431

Artigos mais recentes

Dino manda PF investigar gastos de ONGs com emendas parlamentares

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça (11) que...

Bolsas da Europa fecham em alta; Londres renova recorde com balanços e dados em foco | Finanças

Os principais índices de ações da Europa fecharam em firme alta nesta...

Equador inaugura nova prisão inspirada em El Salvador

Localizada em uma área isolada da província costeira de Santa Elena, a nova prisão...

Motta cede à pressão e diz que texto de Derrite não afetará autonomia da PF

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), recuou após intensa pressão do...

MAIS NOTÍCAS

Dino manda PF investigar gastos de ONGs com emendas parlamentares

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça (11) que...

Bolsas da Europa fecham em alta; Londres renova recorde com balanços e dados em foco | Finanças

Os principais índices de ações da Europa fecharam em firme alta nesta...

Equador inaugura nova prisão inspirada em El Salvador

Localizada em uma área isolada da província costeira de Santa Elena, a nova prisão...