O recente retorno de Ciro Gomes ao PSDB não é só o lance principal de uma aliança com a direita que visa desalojar a esquerda do governo do Ceará. A articulação integra a ousada estratégia do partido para tentar recuperar protagonismo no país e recolocar o centro na disputa presidencial de 2026.
Após moldar com o PL a frente cearense contra o PT, líderes tucanos querem também influir na disputa nacional. Depois da filiação de Ciro, que foi três vezes candidato ao Palácio do Planalto, a legenda ainda planeja atrair o ex-presidente Michel Temer (MDB) para compor um polo político moderado.
O plano do PSDB se inicia enquanto a construção da unidade da direita e da centro-direita voltada para a corrida presidencial do próximo ano atravessa turbulências. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a intenção da cúpula tucana de ocupar eventuais espaços terá de enfrentar desafios.
Para especialista, PSDB investe na aliança de centro para escapar da extinção
Elton Gomes, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), aponta limites na tentativa de o grupo político arrasado pelo avanço da direita nos últimos anos ressurgir. “No Ceará, pesou o pragmatismo do PL contra a hegemonia petista. No nível nacional, busca-se sobreviver”, diz.
Para o analista, os líderes tucanos viram na construção de uma alternativa de centro à ainda forte polarização entre eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) um meio de escapar da extinção e ainda “renascer das cinzas” para o poder no plano nacional.
O convite para Temer se filiar ao PSDB mira coalizão do Centrão, algo que nem dirigentes das legendas e nem o eleitorado parecem querer. “O centro já está muito ocupado e a recuperação de competitividade de Lula está pressionando por uma articulação entre direita e centro-direita”, diz Gomes.
Projeto da dosimetria de penas do 8/1 foi um ensaio da articulação centrista
Conduzido por Temer e pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), a apresentação do projeto para reduzir penas (dosimetria) de condenados pelo 8 de Janeiro, alternativo à anistia ampla, serviu de ensaio da articulação centrista. O ex-presidente já havia procurado líderes para propor a união sem esquerda ou Bolsonaro.
Sob a presidência de Marconi Perillo (GO), o PSDB convidou Temer para embarcar na sigla sob o argumento de que o MDB, do qual o ex-presidente está filiado desde 1981 e é presidente de honra, tem divisões que impedem sua candidatura presidencial. A cúpula emedebista rechaça a sua saída.
Temer, contudo, afirmou aceitar concorrer ao Palácio do Planalto caso se forme uma aliança com outros cinco partidos – PL, União Brasil, PP, MDB e Republicanos – em torno do seu nome, algo visto como improvável. Ele ainda insiste na negociação com governadores em torno da terceira via.
Indicado como candidato a governador, Ciro pode virar opção ao Planalto
No evento de Fortaleza no último dia 22, que oficializou a filiação de Ciro, se destacaram as figuras do também ex-governador Tasso Jereissati (PSDB) e do deputado André Fernandes (PL), engajados na tarefa de vencer Lula e o governador Elmano de Freitas (PT). A costura teve o aval de Bolsonaro.
No plano nacional, Ciro fechou a porta: mas ao se filiar ao PSDB, deixou implícito que poderá decidir à luz de pesquisas, se disputa o Planalto ou fica no Ceará. Análises apontam que, se ele entrar na corrida presidencial, tende a dificultar uma vitória de Lula em primeiro turno ao drenar votos à esquerda e ao centro.
Se Ciro consagrar a frente contra o PT no Ceará, o PSDB tentará emplacar a narrativa de ser capaz de congregar da direita ao centro também na disputa nacional. A depender de pesquisas, o ex-governador pode tentar ao Palácio do Planalto. Se não, abre espaço para um nome mais centrista, como Temer.
Volta de Ciro ao ninho tucano evidencia a crise de identidade da legenda
O retorno de Ciro evidencia a crise de identidade do PSDB. Após ser o rival maior do PT, a sigla é agora só sobrevivente, que tentou sem sucesso fusão e federação para não acabar. Desde 2024, viu debandada de prefeitos e dos seus governadores. Restam 17 congressistas e nenhum prefeito de capital.
Anunciado como presidente do PSDB no Ceará, Ciro prometeu “reconstruir” a legenda no estado e contribuir para ela se tornar “o partido do centro” no nível nacional. Com duras críticas ao PT, propôs criar um movimento capaz de unir sindicatos e empresários, em contraposição ao “sectarismo político”.
O professor da Unicamp e analista político Paulo Guimarães avalia que a aposta do PSDB em Temer carece de lógica, uma vez que o ex-presidente não tem imagem popular. “A filiação de Ciro a um partido de centro-direita pode, por sua vez, afastar o eleitor que o via como opção à esquerda”, diz.
@jornaldemeriti – Aqui você fica por dentro de tudo.
Fala com a gente no WhatsApp: (21) 97914-2431

