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por que o país consome o futuro?

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Quatro em cada cinco famílias brasileiras estão endividadas. Mais de 40% ganham menos de um salário mínimo por pessoa. Mesmo quem tem renda maior vê o dinheiro evaporar entre impostos recordes, Selic de 15% ao ano e serviços públicos precários. O Brasil poupa apenas 14,5% do PIB — um terço do índice da China e menos que seus vizinhos latino-americanos — e depende de capital estrangeiro para financiar seu modesto crescimento.

O Brasil não consegue poupar devido à combinação de descontrole fiscal crônico, que leva o governo a aumentar impostos em vez de enxugar a máquina pública, fatores culturais e traumas históricos de confiscos e hiperinflação.

Poupança baixa significa pouco investimento, que vem caindo desde a primeira metade da década passada, quando estava em torno de 20,5% do PIB. No segundo trimestre, foi de 16,8%, segundo o IBGE. Para alcançar essa taxa, muito baixa mas ainda assim superior à taxa de poupança, o país precisou de recursos de outros países para cobrir a diferença. Essa dependência torna o Brasil vulnerável a crises externas e encarece o financiamento do crescimento.

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As causas do descontrole fiscal e o ciclo de endividamento

O descontrole fiscal está na raiz do problema. Dados do Banco Central (BC) mostram que as contas públicas brasileiras têm déficit desde novembro de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), salvo breve exceção – entre novembro de 2021 e março de 2023, as contas registraram superávit impulsionadas pela retomada econômica pós-pandemia e receitas extraordinárias.

A principal estratégia para contornar os problemas fiscais tem sido o aumento de impostos. A carga tributária brasileira atingiu recorde histórico em 2024: 32,3% do PIB, segundo o Tesouro Nacional.

A indisciplina fiscal do governo tem deixado a economia mais aquecida e obrigado o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC a manter a taxa Selic em níveis elevados – o patamar atual é o maior em 19 anos. Uma redução só deve acontecer, na melhor das hipóteses, no primeiro trimestre do próximo ano.

O duplo efeito dos juros altos

Essa situação cria uma dinâmica prejudicial. Juros altos têm duplo efeito: primeiro, encarecem o crédito para famílias e empresas, empurrando-as para o endividamento em condições desfavoráveis. Segundo, drenam recursos que poderiam financiar investimento produtivo privado (inovação, expansão de empresas, aumento da produtividade), já que a poupança disponível é capturada pelo governo para cobrir seus déficits.

Com a maioria das famílias endividadas e juros ao consumidor e às empresas em patamares proibitivos, qualquer renda extra vai para pagar dívidas, não para formar reservas. A poupança doméstica permanece comprimida, obrigando o país a depender de capital estrangeiro para financiar investimentos. Essa dependência externa torna o Brasil vulnerável a crises internacionais e encarece o crescimento.

O ciclo se completa: sem poupança doméstica, não há investimento suficiente. Sem investimento, a produtividade não cresce. Sem ganhos de produtividade, a economia não se expande o suficiente para gerar superávits fiscais. E sem superávits, o governo continua preso ao ciclo de endividamento, que só está aumentando. No terceiro mandato de Lula, a dívida pública passou de 71,7% para 78,1% do PIB.

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A rigidez do orçamento e a inviabilidade do ajuste fiscal

O descontrole fiscal é agravado por uma rigidez crônica. Mais de 92% do orçamento federal está comprometido com gastos obrigatórios: Previdência, saúde, educação, salários, transferências constitucionais e benefícios sociais. Isso deixa espaço mínimo para investimentos ou para ajustes anticíclicos.

A Previdência, sozinha, consome cerca de metade do orçamento. Benefícios como aposentadorias e pensões seguem regras de reajuste automático e cobertura abrangente, impedindo cortes ou ajustes estruturais significativos. Programas sociais como o Bolsa Família, embora necessários para reduzir a pobreza, também representam despesa crescente. Além disso, diversos gastos são atrelados à inflação e ao salário mínimo, o que gera aumento automático de despesas.

“O governo brasileiro não investe porque não poupa. Os governos, em todos os níveis, operam em déficit permanente, gastando mais do que arrecadam. Esta situação impede que sobre caixa para investir”, lembra Paulo Feldman, professor da FIA Business School.

Esse engessamento torna o ajuste fiscal estrutural praticamente impossível. Mesmo em momentos de crise, a máquina pública continua expandindo gastos, e a única alternativa passa a ser a elevação da arrecadação.

Fatores culturais e estruturais da baixa poupança

Uma das razões para a alta poupança chinesa é a ausência de um sistema de previdência pública abrangente, o que força a população a poupar para a aposentadoria. No Brasil, acontece o oposto.

O sistema previdenciário brasileiro cria um paradoxo. Por um lado, garante proteção social essencial para milhões de brasileiros. Por outro, reduz drasticamente o incentivo individual para poupar. A ampla cobertura previdenciária, somada a programas assistenciais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, cria uma rede de proteção que, embora necessária, desincentiva a formação de reservas privadas.

O envelhecimento populacional agrava esse quadro. Dados do IBGE mostram que a idade média da população brasileira passou de 28,3 anos, em 2000, para 35,5 em 2022. Na virada do século havia 28,9 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 crianças e adolescentes. Mais recentemente, essa relação passou para 55,2 para cada 100.

Essa pressão demográfica eleva os gastos com o regime geral, que paga as aposentadorias e os benefícios do INSS, de 4,9% para 8% do PIB entre 1997 e 2022, segundo estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O custo crescente aperta o orçamento público, reduzindo ainda mais o espaço para investimentos públicos e perpetuando o ciclo de rigidez fiscal.

Traumas históricos e a cultura do consumo imediato

O comportamento das famílias foi moldado por traumas históricos. Décadas de inflação alta, planos econômicos fracassados e moedas que perdiam valor rapidamente condicionaram gerações inteiras a priorizar o consumo imediato em vez da poupança de longo prazo.

Quem viveu as décadas de 1980 e 1990 percebeu que guardar dinheiro significava vê-lo evaporar. A hiperinflação castigava as economias das famílias e eliminava qualquer possibilidade de planejamento financeiro. Confiscos de poupança, mudanças abruptas de regras econômicas e sucessivas crises deixaram a população em estado de alerta permanente. Esse histórico forjou uma mentalidade coletiva de desconfiança em relação ao futuro — desconfiança racional, baseada em experiências concretas de perda.

Mesmo após três décadas de relativa estabilidade monetária desde o Plano Real em 1994, a memória inflacionária persiste e condiciona escolhas: preferência por consumo presente, resistência a poupar, desconfiança em aplicações financeiras de longo prazo e busca por bens tangíveis em vez de ativos financeiros. Fundos de pensão privados, previdência complementar e títulos públicos enfrentam resistência cultural. Poupar ainda parece irracional quando a história ensinou que o dinheiro guardado pode evaporar.

“A insegurança e a volatilidade histórica contribuem: os choques frequentes na economia brasileira levaram famílias e empresas a preferirem liquidez de curto prazo”, destaca André Braz, coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).

A realidade financeira: renda baixa e endividamento crítico

Milhões de brasileiros simplesmente não têm renda suficiente para poupar, mesmo que quisessem. Segundo o IBGE, mais de 40% das famílias brasileiras têm renda por pessoa inferior a um salário mínimo. Para essas famílias, o orçamento mensal é inteiramente destinado a alimentação, moradia, transporte e saúde. Qualquer imprevisto (desemprego, doença, despesa extraordinária) se transforma em crise financeira imediata, forçando o endividamento.

Além disso, o mercado de trabalho brasileiro é marcado por informalidade elevada, que no final do segundo trimestre de 2025 atingia 37,8% das pessoas com mais de 14 anos e que estavam ocupadas, e pela instabilidade. Trabalhadores informais não têm acesso a benefícios trabalhistas nem a linhas de crédito mais baratas, o que dificulta ainda mais qualquer tentativa de planejamento financeiro de longo prazo.

O endividamento atingiu patamares críticos. Quatro em cada cinco famílias brasileiras estavam endividadas em outubro, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O crédito funciona não como ferramenta de planejamento, mas como substituto da renda insuficiente. Famílias antecipam consumo via cartão de crédito e parcelamentos, comprometendo a renda futura.

Os juros elevados ao consumidor agravam o problema: as taxas praticadas no mercado partem da taxa básica (Selic) e chegam à ponta de forma muito mais restritiva, encarecendo o crédito e acelerando o crescimento das dívidas.

“A alta carga tributária e a baixa renda, que mal garante a subsistência para boa parte da população, anulam o excedente para poupar”, ressalta Yihao Lin, coordenador econômico da Genial Investimentos.

O resultado é um ciclo de sobrevivência financeira permanente: qualquer renda extra vai para cobrir parcelas atrasadas, não para formar reservas. Poupar se torna inviável mesmo para quem tem intenção de fazê-lo.

Juros altos sufocam empresas e limitam sobrevivência

A baixa poupança não é exclusividade das famílias. Empresas também contribuem para esse quadro. A necessidade de juros altos contribui para que as empresas tenham mais dificuldades para crescer. Segundo o IBGE, atualmente o Brasil tem cerca de 23,2 milhões de empresas ativas, mas a taxa de sobrevivência de novos negócios é baixa. Apenas 37,3% das empresas sobrevivem após cinco anos de atividade.

O cenário atual é extremamente desconfortável. Segundo a Serasa Experian, 8,1 milhões de empresas estavam negativadas em agosto de 2024, o maior número da série histórica iniciada em 2016. Duas em cada mil empresas estão em recuperação judicial, aponta a RG F Associados, o maior nível desde 2023. E cerca de 30% das que saem dessa modalidade encerram as atividades.

“As altas taxas de juros encarecem a renegociação de dívidas e tornam o crédito mais restritivo. O volume recorde de inadimplentes fecha um ciclo que complica a recuperação do crédito e a saída da inadimplência”, diz a economista Camila Abdelmalack, da Serasa Experian.

As que sobrevivem têm um duro fardo. Empresas menores operam com margens reduzidas e fluxo de caixa restrito, destinando qualquer excedente à manutenção e ao pagamento de dívidas. O acesso limitado a crédito barato torna a capacidade de acumular reservas ou investir em expansão praticamente inviável.

Quando empresas não conseguem investir em inovação ou ganhos de produtividade, a economia como um todo perde dinamismo, criando um ambiente hostil ao empreendedorismo produtivo.

O ciclo vicioso: Estado ineficiente e baixo investimento

No setor público, o investimento também é baixo. Segundo dados do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, no ano passado foi de 2,2% do PIB, não incluindo as empresas públicas. Em 1994, ano do Plano Real, foi de 3,2%. A maior parte dos recursos públicos é consumida por despesas correntes (salários, benefícios, custeio da máquina), sobrando pouco para investimento em infraestrutura ou capital produtivo.

Estado ineficiente: arrecada muito, entrega pouco

A baixa eficiência do gasto público fecha o círculo de desconfiança. O governo arrecada muito — a carga tributária está entre as mais altas do mundo para países emergentes — mas devolve pouco em serviços de qualidade. A contrapartida em saúde, educação, segurança e infraestrutura é insatisfatória.

Um levantamento do Banco Mundial – o Government Effectiveness Index – mostra que a qualidade de serviços públicos, eficácia do governo, formulação e implementação de políticas públicas no país estava em 2023 em um dos níveis mais baixos desde 1996. Dos 209 países e territórios analisados, o Brasil ocupava a 141ª posição, atrás de países como Cuba, Tanzânia, Camboja, Uzbequistão e Costa do Marfim.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que quando o Estado não entrega serviços adequados, famílias e empresas precisam recorrer ao setor privado: planos de saúde, escolas particulares, segurança privada, até infraestrutura própria. Isso drena a renda disponível, reduzindo ainda mais a capacidade de poupança.

O subinvestimento público em áreas essenciais cria obstáculos que o setor privado e as famílias precisam contornar, perpetuando um ciclo perverso: o cidadão paga muito, recebe pouco, e não consegue poupar para melhorar sua própria situação.

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