A Polícia Federal descobriu planilhas com a “prestação de contas” das propinas pagas a servidores públicos e agentes políticos pela confederação acusada de desviar milhões em descontos ilegais de aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo os investigadores, o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, preso nesta quinta-feira (13), recebeu o apelido de “Italiano” na contabilidade paralela da Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer).
As planilhas apreendidas e mensagens interceptadas indicam que o empresário Cícero Santos era o operador financeiro do esquema. Descrito pela PF como “braço direito da organização criminosa”, ela se referia aos destinatários das propinas como “heróis” ou “amigos” nos documentos.
- PF diz que ex-presidente do INSS recebia propina mensal de R$ 250 mil
Os valores registrados nas planilhas eram idênticos aos montantes movimentados nas contas das empresas de fachada utilizadas para lavagem de capitais. Para a PF, o objetivo claro era garantir a distribuição do dinheiro desviado e, ao mesmo tempo, ocultar a identidade e a origem ilícita dos pagamentos.
O inquérito aponta que a Conafer enviava listas de beneficiários para descontos em folha de aposentados e pensionistas sem autorização válida ou mediante filiações falsas. A investigação revelou que a entidade recebeu mais de R$ 708 milhões do INSS, dos quais R$ 640,9 milhões “foram desviados para empresas de fachada e contas de operadores financeiros ligados ao grupo”.
“Italiano”, “Herói E” e “Amigo V” na planilha da propina
O formato de “prestação de contas” dos valores ilícitos lembra a planilha da Odebrecht apreendida pela PF na Operação Lava Jato, em 2016. A análise forense das comunicações e dos celulares apreendidos permitiu à Polícia Federal decodificar os apelidos e identificar os agentes públicos e políticos envolvidos:
“Herói A” era o codinome de André Fidelis, ex-diretor de Benefícios do INSS, que teria recebido R$ 3,4 milhões em propinas entre 2023 e 2024, em troca de omissão na fiscalização do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o INSS e a Conafer.
“Herói V” ou “Amigo V” referia-se a Virgílio Oliveira Filho, ex-procurador federal do INSS. Ele teria recebido propinas que somaram R$ 6,5 milhões entre 2022 e 2024.
“Italiano” era o apelido de Alessandro Stefanutto, que ocupou as funções de procurador-chefe e presidente do INSS. Sua propina mensal aumentou para R$ 250 mil após ele assumir a presidência do INSS.
“Herói E” era o codinome do deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG). Segundo a PF, ele era “a pessoa melhor paga na lista de propina”, tendo recebido ao menos R$ 14,7 milhões para assegurar proteção política e impedir fiscalizações no convênio.
“São Paulo Yasser” ou “São Paulo” referia-se a José Carlos de Oliveira, ex-ministro da Previdência Social do governo Bolsonaro (PL). Ele mudou o nome e hoje se chama Ahmed Mohamad Oliveira. Uma planilha de fevereiro de 2023 registrava um pagamento de R$ 100 mil a ele.
Pedro Alves Corrêa Neto, que ocupou o cargo de Secretário de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo no Ministério da Agricultura e Pecuária, tendo (Mapa), era identificado como “Pedro” ou “P”. Ele teria recebido mais de R$ 1 milhão em propina.
PF diz que esquema de fraude no INSS era dividido em 3 núcleos
A PF relatou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a Conafer seria “uma organização criminosa com divisão hierárquica e funções definidas”, composta por três núcleos principais. O núcleo de comando seria liderado pelo presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes, “responsável pela orientação das fraudes e pela articulação política”.
O núcleo financeiro, coordenado por Cícero Santos, era “encarregado da lavagem e movimentação dos recursos desviados por meio de empresas de fachada”. Já o núcleo político incluía o deputado Euclydes Pettersen e assessores. Os dois seriam “responsáveis por garantir a manutenção do ACT junto ao INSS e proteger o grupo de investigações externas”.
Segundo a PF, Cícero criou e administrou diversas empresas de fachada para receber os valores desviados da Conafer e, em seguida, repassá-los aos beneficiários do esquema. Outros investigados atuavam diretamente no núcleo financeiro, garantindo a operacionalização das transações e a ocultação do dinheiro.
O núcleo financeiro recebia o dinheiro desviado dos descontos indevidos e fazia o montante circular por uma rede de empresas de fachada. A PF apontou que eram utilizados contratos simulados, notas fiscais falsas e “laranjas” para ocultar o patrimônio ilícito. Além disso, o núcleo gerenciava e distribuía a propina aos agentes públicos e políticos que protegiam o esquema no INSS e no âmbito político.
Defesa de Stefanutto, ex-presidente do INSS
A defesa de Alessandro Stefanutto afirmou que “não teve acesso ao teor da decisão que decretou a prisão dele”. Em nota, os advogados afirmaram que “trata-se de uma prisão completamente ilegal, uma vez que Stefanutto não tem causado nenhum tipo de embaraço à apuração, colaborando desde o início com o trabalho de investigação”.
A defesa disse ainda que “irá buscar as informações que fundamentaram o decreto para tomar as providências necessárias” e que “segue confiante, diante dos fatos, de que comprovará a inocência dele ao final dos procedimentos relacionados ao caso”.
Defesa de Euclydes Pettersen
O deputado Euclydes Pettersen disse ter recebido a “com serenidade e respeito às instituições”. “Reitero que nunca tive qualquer vínculo com o INSS, seus dirigentes ou decisões administrativas. Sobre a CONAFER, reafirmo o que já disse em plenário: não tenho relação ilícita com a entidade e nunca participei de sua gestão”, disse o parlamentar, em nota.
“Defendo investigações rigorosas e confio plenamente na Polícia Federal, no MPF e no STF. Estou à disposição para todos os esclarecimentos e certo de que a verdade prevalecerá”, concluiu.
Defesa da Conafer
A Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) expressou “grande preocupação” com a nova fase da Operação Sem Desconto.
“Nós reafirmamos, com veemência, o princípio basilar do Estado de Direito: a presunção de inocência. Todos os citados nela têm o direito processual e moral de ter sua defesa assegurada e sua honra preservada enquanto não houver decisão judicial condenatória definitiva”, disse a entidade, em nota.
A Conafer criticou o “contexto político e midiático que envolve esta investigação” e disse estar “sendo colocada no centro de uma exposição pública que, a nosso ver, tem traços de cortina de fumaça”.
“Os impactos práticos dessa operação já são evidentes e gravíssimos. A paralisação forçada de nossas atividades prejudica milhares de famílias do campo, povos indígenas e comunidades tradicionais que dependem das ações técnicas, de saúde e de geração de renda promovidas pela CONAFER”, destacou.
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