O procurador-geral da República, Paulo Gonet, terá que passar por uma nova sabatina no Senado para poder continuar no cargo. O processo foi marcado para o dia 12 de novembro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pode se transformar em um embate político de alto risco para o procurador, considerado um aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A oposição articula um voto maciço contra Gonet, prometendo usar a sessão como um “palco de desgaste” para o Planalto.
O processo de recondução ao cargo começará com a leitura de relatório, prevista para o dia 5 de novembro. Após a leitura, os senadores devem pedir vista coletiva, mecanismo regimental que adia a votação por até cinco dias úteis.
O pedido permite que os membros da comissão analisem o parecer com mais calma antes da sabatina. Na prática, é também um instrumento político usado para ganhar tempo nas negociações e reduzir tensões em torno de indicações estratégicas. Assim, a expectativa é que Paulo Gonet seja sabatinado apenas na semana seguinte, após o prazo de vista. Na ocasião, os parlamentares farão perguntas a Gonet e depois votarão para decidir se ele pode permanecer no cargo.
Inicialmente, o presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), havia informado que aguardaria o fim do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais réus acusados de suposto golpe de Estado. Só depois definiria a data da sabatina de Gonet, para alegadamente não “inflamar” a votação.
Mas ele voltou atrás em sua decisão porque, embora o ex-presidente Jair Bolsonaro já tenha sido condenado, outros réus agrupados em dois núcleos ainda estão sendo julgados pelo STF.
Agora, com a data marcada, a oposição se articula para transformar a sabatina em um teste político. O ataque mais veemente partiu do líder do PL no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), que promete voto contrário. “Não será apoiado,” afirmou Portinho, acusando o procurador-geral de minar a autonomia do Ministério Público Federal (MPF) e de endossar práticas controversas.
“Ele diminuiu o Ministério Público em sua gestão, incentiva perseguições políticas, porpõe penas exorbitantes, não se posiciona contra a censura e o estado judiciário de exceção que se instalou no país”, declarou Portinho a jornalistas.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), embora admita gostar pessoalmente de Gonet, expressou “tristeza” com as posições adotadas por ele. “Nossa tristeza com ele não é só por causa do Bolsonaro, é pela manifestação dele por condenação em processos de pessoas inocentes do 8 de janeiro,” afirmou a parlamentar, sinalizando que as decisões recentes do PGR têm pesado no julgamento.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) é outro crítico à recondução de Gonet. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele reforçou o seu “descontentamento” com o procurador e explicou que apresentou um pedido de impeachment contra Gonet. Girão diz, metaforicamente, que Gonet é “testemunha ocular” de “atos de tortura sem tomar providências” contra o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência na gestão de Bolsonaro.
De acordo com Girão, a denúncia da PGR contra Jair Bolsonaro (PL) e mais 33 nomes está atrelada à delação de um indivíduo (Cid) que, segundo ele, foi alvo de pressões e ameaças, com o intuito de forjar uma narrativa manipulada. “A participação do Gonet ali, sem reagir, é, no mínimo, suspeita”, avaliou o senador.
“A atuação de Gonet foi péssima. Como se a PGR fosse um puxadinho do STF, sabe? Especialmente os caprichos do Alexandre de Moraes. Já fiz críticas públicas em relação a ele [Gonet]. Não à pessoa, mas à autoridade que está conduzindo esse cargo, porque, para mim, não tem independência”, declarou Girão.
Movimentos de direita, como “Advogados de Direita Brasil”, também emitiram nota pública repudiando a recondução, acusando o procurador de “graves violações funcionais”, restrições à liberdade de imprensa e atuação político-ideológica.
Recondução de Gonet enfrenta resistência por decisões polêmicas
No dia 27 de agosto de 2025, o presidente Lula assinou o ato de recondução de Gonet à PGR por mais dois anos. Apesar de já estar formalmente reconduzido, Gonet precisa passar por nova sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, depois, obter aprovação em plenário (mínimo de 41 senadores). Assim que foi indicado, pela primeira vez, ele obteve 65 votos no plenário e contou com o apoio de parlamentares da direita e da esquerda.
Indicado por Lula em dezembro de 2023, Paulo Gonet assumiu a PGR prometendo uma gestão técnica e discreta. O mandato atual vai até dezembro de 2025, o que lhe dá margem temporal para a confirmação. Doutor em Direito e subprocurador desde 1987, ele se apresentou inicialmente como alguém de perfil jurídico, reservado e com forte interlocução com os ministros do STF.
Logo no início do mandato, Gonet autorizou operações contra aliados de Jair Bolsonaro, diferenciando-se do antecessor, Augusto Aras. Desde então, sua gestão apresentou mais de 280 denúncias ao STF, incluindo contra políticos, militares e participantes dos atos de 8 de janeiro.
A atuação de Gonet gerou atrito direto com o campo conservador do Congresso. Entre as decisões mais polêmicas de sua gestão, destacam-se:
- A defesa de que a liberdade de expressão não é absoluta, podendo ser limitada em campanhas eleitorais;
- A denúncia que incluiu Jair Bolsonaro e aliados no caso da tentativa de golpe de Estado;
- O arquivamento de denúncias feitas pela oposição contra a primeira-dama, Rosângela da Silva (Janja), que questionavam os gastos em viagens internacionais.
Governo terá que negociar com o Centrão para aprovação de Gonet
O cientista político Elias Tavares destaca que o presidente Lula não possui maioria assegurada no Senado e está “obrigado a negociar com o “Centrão” para destravar a pauta e as indicações estratégicas. “O Congresso hoje é dominado pelo Centrão, e isso força o governo a se aproximar das lideranças desse campo,” afirma o analista.
Ele aponta que recentes movimentos de Lula — como o elogio a aliados de Arthur Lira e a discussão sobre a isenção do Imposto de Renda — são gestos calculados para reduzir resistências e abrir caminho não só para a pauta econômica, mas também para indicações estratégicas, como a do PGR.
Tavares pondera ainda que a relação de Gonet com ministros do STF é vista como uma “faca de dois gumes”. “De um lado, essa proximidade pode transmitir a ideia de estabilidade institucional, o que agrada a setores que buscam segurança jurídica. De outro, levanta dúvidas sobre a autonomia da Procuradoria”, explica.
O Senado, segundo ele, deve questionar esse tema, pois a expectativa é de que o PGR atue como um “árbitro” e não como um ator político alinhado a qualquer Poder. “A aprovação deve ocorrer, mas o que estará em jogo é a narrativa: se Gonet chegar visto como independente ou como alguém tutelado pelo Supremo”, salienta.
Por outro lado, o cientista político Tiago Valenciano avalia que Lula até deve ter votos suficientes, mas precisará ampliar negociações em um ambiente pré-eleitoral. “No Senado, a negociação do governo tem sido mais tranquila que na Câmara. Mas nesse período pré-eleitoral, é bem capaz que o governo precise negociar mais para alcançar os 41 votos”, disse.
Segundo ele, o adiamento da sabatina para novembro é uma estratégia do governo: “A medida é uma estratégia para evitar desgaste imediato do governo, já que outras pautas prioritárias estão passando no Congresso.”
Para ele, a oposição deve usar a sabatina como palco político. “A proximidade de Gonet com ministros do Supremo também pesa: pode reforçar a percepção de falta de independência da PGR, algo que a oposição vai explorar”, enfatiza.
Cenário possível após o fim do julgamento
A indefinição que perdurou por meses sobre a data da sabatina de Gonet não é um episódio isolado. Em 2021, o ministro André Mendonça, indicado ao Supremo Tribunal Federal, esperou mais de quatro meses até ser sabatinado na CCJ, devido a impasses políticos internos.
A sabatinas sobre a Procuradoria-Geral da República costumam ocorrer com maior rapidez. A recondução de Augusto Aras, por exemplo, foi aprovada em agosto de 2021, em um contexto político mais estável. Cada caso, porém, reflete a conjuntura do momento — e o tempo entre a indicação e a sabatina costuma ser usado como instrumento de negociação e pressão política.
Com o julgamento da suposta “trama golpista” previsto para acabar nos próximos meses, a expectativa é de que a CCJ volte toda a sua atenção para a sabatina. Ela será mais do que um rito formal: promete se tornar um termômetro das forças políticas no Senado e um teste da capacidade do governo Lula de articular apoio em um ambiente fragmentado.
Mesmo com a data marcada, o Planalto terá que administrar dois desafios simultâneos — aprovar pautas econômicas de impacto e garantir a recondução de um nome central para a estrutura de poder da República.
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