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Governo Lula insiste em erros do passado para atrair data centers

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A política de atração de data centers do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mira o futuro, mas se baseia em velhas práticas que não se reverteram em ganhos para a economia e a sociedade.

Especialistas apontam que o plano repete vícios da política industrial e econômica: amplia renúncias fiscais sem garantia de resultado, dribla as regras do arcabouço fiscal, cria distorções competitivas e se apoia em promessas frágeis de sustentabilidade e inovação. Ou seja, pode acabar reproduzindo o ciclo de incentivos ineficazes que marcou experiências anteriores como a Zona Franca de Manaus e os programas de estímulo à indústria automobilística.

O que são data centers e o que o governo oferece

Data centers são grandes instalações que hospedam equipamentos para armazenar e processar dados digitais, mantendo sites, aplicativos e serviços on-line em funcionamento. São imprescindíveis para dar conta do crescimento exponencial de modelos de inteligência artificial, pois oferecem alta capacidade de processamento, armazenamento massivo e conectividade ultrarrápida – elementos essenciais para treinar, executar e escalar soluções de IA.

Publicada em meados de setembro deste ano, a Medida Provisória (MP) 1.318 estabeleceu algumas das diretrizes do plano e criou o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter, ou ReData.

A fórmula é conhecida de outros tempos: isenção tributária e, em contrapartida, doação de percentual da receita para programas do governo visando ao desenvolvimento industrial e tecnológico.

As empresas participantes do ReData ficam isentas de:

  • Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins incidentes sobre a receita;
  • Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e Cofins-Importação;
  • IPI, incidente na importação ou na saída do estabelecimento industrial ou equiparado; e
  • Imposto de Importação.

Em compensação, as empresas precisam atender a critérios de sustentabilidade, ter sua demanda elétrica totalmente suprida por fontes limpas ou renováveis e destinar 10% de sua capacidade de armazenamento para o uso do governo e 2% do valor dos equipamentos adquiridos para programas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico.

Haddad critica incentivos fiscais, mas aposta neles para atrair data centers

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, afirma que o ReData não deixa de ser mais um gasto tributário — nome dado às isenções e aos regimes tributários diferenciados a setores específicos —, de que o governo diz não gostar, mas que ele próprio não para de criar.

Em inúmeros discursos e entrevistas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alardeou sua intenção de reduzir as renúncias de impostos. Em maio passado, por exemplo, declarou que o país tem uma “caixa-preta” de benefícios fiscais que tira R$ 800 bilhões ao ano dos cofres do governo.

“Ao invés de oferecer uma alíquota média de tributos menor para todo mundo, a gente resolve escolher os campeões nacionais que levam o grosso do Orçamento. Aquele que paga imposto fica prejudicado por aquele que fez do lobby a sua profissão de fé”, disse o titular da Fazenda na ocasião.

Levantamentos da Receita Federal indicam que, apenas na esfera federal, os incentivos fiscais passam de 4% do PIB. Estudos apontam que tais benefícios costumam ter deficiências de governança, transparência e eficiência. Carecem de critério claro para avaliação de impacto, concentram-se em poucos setores e favorecem empresas específicas, o que gera distorções na competitividade.

Hamilton Carvalho, auditor tributário do estado de São Paulo e autor do livro Desafios Inéditos do Séc. XXI, avalia que o projeto tem poucas chances de entregar resultados efetivos.

“Chama a atenção a mania [do governo] de criar planos grandiosos, cheios de lindas intenções no papel, mas com regras complicadas, com pouca capacidade de adaptação e que geralmente passam longe de entregar a contribuição prometida”, disse.

Sobre a questão fiscal, Carvalho avalia que, da forma como está proposto, o ReData pode criar uma dinâmica de perpetuação das exceções tributárias, como se vê em programas para a proteção da indústria automobilística e regimes especiais como a Zona Franca de Manaus.

Governo espera atrair investimentos de R$ 2 trilhões com o ReData

As avaliações dos especialistas vão de encontro ao discurso do governo sobre o tema. Em maio, o ministro Haddad apresentou o que chamou de plano de desenvolvimento de inteligência artificial e de data centers para grandes empresas de tecnologia dos EUA, durante viagem de apresentação da estratégia.

Na ocasião, ele afirmou que o programa colocava o Brasil “na fronteira da reglobalização sustentável e em uma reindustrialização nacional promissora”. Segundo o governo divulgou naquele momento, o plano teria a capacidade de atrair até R$ 2 trilhões em investimentos para o país em dez anos.

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Na mesma viagem, após visita às instalações da Nvidia, nos Estados Unidos, o ministro disse, em publicação no seu perfil no X, que a política de atração de investimentos em inteligência artificial e data centers contava com “inúmeras vantagens competitivas”, citando a energia verde e a desoneração de insumos decorrentes da reforma tributária.

Especialistas questionam vantagens competitivas do país

As vantagens mencionadas por Haddad, no entanto, são contestadas pelos especialistas. Marcos Mendes questiona a real vantagem competitiva do Brasil em relação à energia limpa. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, o economista observa que a rede nacional está precarizada e que, além disso, a energia é cara.

Mendes também cita a escassez de mão de obra qualificada, a legislação ambiental pouco ágil e a infraestrutura logística deficitária como pontos que podem colocar em xeque as ditas vantagens nas quais o governo se apoia para defender o plano de data centers.

O governo, de sua parte, menciona a boa estrutura de cabos submarinos, que serviria para transmitir dados a outros continentes. No entanto, como a própria MP 1.318 aponta, a operação desses serviços no país é 30% mais cara do que em outros locais – e aí entra a justificativa para a necessidade de um regime fiscal diferenciado.

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Falta robustez na rede elétrica e na infraestrutura logística

Sócios no Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires e Pedro Rodrigues questionam as reais vantagens competitivas de que o Brasil dispõe. Em texto publicado no portal Poder360, eles afirmam que a determinação do ReData para que os beneficiários utilizem energia de fontes renováveis configura “populismo ambiental”.

De acordo com o programa, todas as iniciativas deverão utilizar energia proveniente de usinas renováveis que não estavam em operação até a edição da MP 1.307, que instituiu que as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) brasileiras devem utilizar energia proveniente de fontes renováveis. A medida também estabeleceu que empresas fornecedoras de serviços para o exterior se beneficiem do regime das ZPEs, abrindo caminho para o ReData.

Em sua análise sobre o programa, Pires e Rodrigues ainda avaliam que há outros pontos discutíveis, como a reserva de mercado para a indústria nacional, a criação de ZPEs e o “confisco” de um percentual da receita para programas de apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico.

Programa tem drible no arcabouço fiscal

O “confisco” é, inclusive, um dos pontos destacados por Marcos Mendes, pois a proposta acaba por embutir mais um drible no arcabouço fiscal. O economista explica que o ReData pega para si parte da renúncia de receita que é dada aos beneficiários do programa.

O ReData estabelece que, como contrapartida aos benefícios fiscais, os beneficiários devem disponibilizar até 10% de sua capacidade de armazenamento e processamento para o governo federal.

Além disso, 2% do valor utilizado com a compra de equipamentos e investimentos deve ser destinado ao fomento de programas de apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico. Para os data centers construídos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, há um abatimento de 20% nas contrapartidas.

“Então, essa receita não entra no orçamento e, ao mesmo tempo, ele obriga a gastar parte dessa receita com investimentos que vão ser feitos, provavelmente, junto a instituições públicas de pesquisa”, disse Mendes à Gazeta do Povo.

Ou seja, ao trazer mais isenções tributárias, o programa promove gastos fora da regra fiscal e ainda embute nessa manobra as contrapartidas que recebe dos beneficiários.

TikTok e outras empresas anunciaram investimentos

O governo afirma que o ReData se destina ao fomento da economia digital no Brasil e à atração de investimentos. Até o momento, algumas iniciativas já foram divulgadas, especialmente no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), uma ZPE do Ceará. O estado é governado por Elmano de Freitas (PT).

No início de novembro, o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) aprovou um conjunto de oito projetos na ZPE de Pecém, dos quais sete são empreendimentos de data center. O oitavo é um parque eólico e planta de amônia e hidrogênio verde.

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Esses empreendimentos, estimados em mais de meio bilhão de reais, são de grandes empresas nacionais e internacionais: a chinesa ByteDance, dona do TikTok; a ExportData Company; e a Casa dos Ventos, especializada em energia renovável.

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