O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, virou alvo do governo e do PT após a manutenção da taxa Selic em 15% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
Aliados do Planalto dispararam uma saraivada de críticas ao titular da autoridade monetária pelas redes sociais. Até então eles vinham sendo mais comedidos nas críticas, uma vez que Galípolo foi escolhido pelo próprio presidente Lula.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que Galípolo “deixou a desejar” por supostamente não considerar os indicadores econômicos do país na decisão.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que na semana anterior à reunião já havia defendido que havia condições para a redução dos juros, manteve a crítica após a divulgação da ata pelo colegiado.
“Tem espaço para corte, não é questão pessoal, é institucional”, afirmou o ministro em entrevista à CNN na terça-feira (11). “Não tem como sustentar 10% de juro real com inflação a 4,5%.” Na sequência, amenizou o tom dizendo que Galípolo “faz um bom trabalho” no comando do BC.
A ambiguidade de postura, no estilo “morde e assopra”, evidencia o dilema de Haddad: ele sabe que precisa respeitar a autonomia do BC, mas também sente a pressão da base política do governo, que cobra cortes de juros – ainda que com críticas mais moderadas do que as dirigidas a Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro (PL), que liderou o BC até o fim de 2024.
Lula e o PT vivem dilema parecido. Embora a atuação Galípolo como diretor do Copom – cargo que exercia antes da indicação à presidência – tenha sido essencialmente técnica, havia a expectativa de que, uma vez no comando, o titular da autoridade monetária pudesse se alinhar minimamente ao ideal histórico do partido de turbinar a economia a todo custo, ajudando a promover uma redução mais rápida dos juros.
Com a sinalização do Copom de manter a taxa básica de juros em 15% ao ano por um período “bastante prolongado”, o PT tenta administrar o descontentamento interno com Galípolo – chamado por Lula de “menino de ouro” antes da indicação ao BC – e evitar um embate mais pesado. O próprio presidente também tem evitado críticas diretas, o que equivaleria a reconhecer que errou ao acusar Campos Neto de agir politicamente.
Enquanto isso, a discussão central sobre a responsabilidade pelas alta taxas de juros – a segunda maior do mundo, segundo a Visual Capitalist (2025), atrás apenas da Rússia –, fica em segundo plano.
Alexandre Manoel, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-Ibre) e sócio da Global Intelligence and Analytics, afirma que o debate que o debate sobre a queda da Selic acaba funcionando como uma “cortina de fumaça” para desviar a atenção do desequilíbrio das contas do governo, o principal fator por trás do juro elevado.
“Uma redução pontual da Selic pelo BC é insignificante diante dos juros reais [descontada a inflação], hoje na casa dos 8%”, diz o economista. diz. “Discutir a redução, diante da deterioração fiscal pelo lado da despesa, parece uma cortina de fumaça, uma discussão secundária, já que a taxa básica é apenas um sintoma – e não causa – da fragilidade estrutural das contas públicas.”
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Regra fiscal pode travar aumento de gastos e promessas de Lula em 2026
Superávit é meta distante e dívida cresce
A análise das contas públicas não permite otimismo. Apesar dos avanços no lado das receitas, impulsionados pelo esforço de recompor a arrecadação, as despesas seguem fora de controle. Entre janeiro e setembro de 2025, o governo central acumulou déficit superior a R$ 100 bilhões, e as projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) e do mercado indicam que o resultado negativo deve ultrapassar 0,6% do PIB.
O gasto do governo central passou de 18% do PIB em dezembro de 2022 para 18,8% ao fim de 2024, patamar que se manteve no acumulado de 12 meses até setembro de 2025, segundo dados oficiais.
Além disso, os déficits crescentes das estatais e o uso recorrente de despesas fora do Orçamento, como instrumento para cumprir formalmente as metas do arcabouço minam a transparência e a credibilidade da Fazenda.
“O resultado é um resultado primário que não dá sinais de se tornar superavitário de forma sustentável”, diz Alexandre Manoel, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-Ibre) e sócio da Global Intelligence and Analytics. “Nesse contexto, a dívida pública segue em expansão contínua mesmo com o cumprimento do arcabouço.”
De 71,7% do PIB ao fim do governo Bolsonaro, em 2022, a dívida passou a 78,1% do PIB na medição mais recente, em setembro de 2025.
Segundo o relatório Prisma Fiscal, para o fim de 2026, a mediana das expectativas do mercado é de 83,6% do PIB, acima da estimativa oficial do Ministério da Fazenda, que projeta 82,3% do PIB.
“Se nada mudar, mesmo cumprindo a meta do arcabouço, pouco importa: nesse ritmo, em oito anos teremos mais 20 pontos de dívida”, diz Manoel.
Ao fim de 2018, na gestão de Michel Temer (MDB), o endividamento equivalia a 75,3% do PIB, mesmo considerando todos os passivos herdados do governo de Dilma Rousseff (PT).
“Os governos Temer e Bolsonaro, embora não tenham solucionado o problema fiscal, conseguiram ao menos estabilizar a trajetória da dívida pública”, diz Manoel.
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Haddad reitera responsabilidade fiscal e defende redução da Selic
Na contramão de indicadores como o avanço da dívida, dos déficits e do gasto público, Haddad tem insistido que o governo Lula mantém a responsabilidade fiscal. “Vamos entregar o melhor resultado fiscal do país em quatro anos, mesmo considerando tudo o que se pagou de calote do governo anterior”, afirmou.
Ainda assim, o ministro admitiu que o governo deve apenas se aproximar do centro da meta fiscal de 2025 — resultado influenciado pelo chamado “empoçamento”, recursos liberados aos ministérios que terminam o ano sem execução.
“Se a arrecadação continuar vindo bem, vai acontecer este ano o mesmo fenômeno que aconteceu ano passado. Em virtude do empoçamento, você acaba trazendo para bastante perto do centro da meta o resultado”, disse o ministro.
Na defesa da redução da Selic, Haddad tem se respaldado no mercado financeiro, que já precifica o movimento. Após uma reunião com representantes da Federação Nacional dos Bancos (Febraban), o ministro afirmou que sua avaliação sobre a Selic é compartilhada por alguns banqueiros — entre eles o chairman e fundador do BTG Pactual, André Esteves, que afirmou, na segunda-feira (10), que o país não “merece” uma taxa de juros de 15% ao ano.
Questionado sobre a declaração de Haddad, Galípolo disse que a autoridade monetária não briga com dados econômicos.
“Todo mundo pode brigar com o Banco Central. O Banco Central é que não pode brigar com os dados”, afirmou o chefe da autarquia durante a apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira (REF) do primeiro semestre, em São Paulo.
Mercado também pede ajuste fiscal, mas acredita em redução da Selic sob Galípolo
Para analistas do mercado financeiro, é possível vislumbrar o início do ciclo de corte a partir das primeiras reuniões do colegiado do próximo ano, em janeiro ou março. O próprio Copom também afirmou ver uma “moderação gradual da atividade” e uma “leve melhora nas expectativas inflacionárias”, fatores que mais adiante podem contribuir para algum relaxamento na política monetária.
“Existe, de fato, um espaço técnico para o início de um ciclo de flexibilização monetária, ainda que de forma condicional e restrita”, diz Carlos Henrique, CEO da Sttart Pay.
“O sistema financeiro não se opõe à queda de juros; pelo contrário, a vê como benéfica para a dinamização do crédito e da economia, mas condiciona isso à apresentação de um plano fiscal crível, capaz de ancorar as expectativas de inflação e demonstrar compromisso com a trajetória da dívida pública.”
Sem essa previsibilidade, acrescenta Henrique, o mercado teme que um corte prematuro por pressão do governo possa gerar o efeito oposto, com a desancoragem das expectativas, o que forçaria uma nova reversão da queda mais à frente.
“A chave para destravar esse movimento está, inequivocamente, nas mãos da equipe econômica e na sua capacidade de entregar resultados fiscais consistentes”, diz.
Ajuste consistente nas contas públicas não virá em ano eleitoral
A perspectiva de um debate sobre um ajuste estrutural nas contas públicas é vista como improvável, sobretudo com a proximidade do calendário eleitoral. Além disso, segundo Manoel, a gravidade da situação fiscal ainda passa despercebida pela maioria da população, mascarada por indicadores macroeconômicos como a taxa de desemprego, que fechou o terceiro trimestre em 5,6%, o menor nível da série histórica iniciada em 2012.
“No lado da economia real, está tudo muito bem”, lembra Manoel. “Então, a população, do ponto de vista do dia a dia, realmente não está nem aí pra taxa de juros. A pessoa quer saber se a prestação cabe no bolso e acabou — muito menos se preocupa com a trajetória da dívida.”
O país, segundo ele, repete o padrão de só pensar em ajuste fiscal quando a economia desaba. “Enquanto os dados da economia real estiverem bem, nada é feito”, diz. “Mas com uma trajetória dessa de gasto e de dívida, em algum momento o lado monetário vai bater no real.”
É um cenário parecido com o período entre 2010 e 2012, quando o país crescia de forma consistente, mas acumulava desequilíbrios que explodiriam poucos anos depois. “A economia real vinha bem, e nem quem vivia o setor econômico conseguiu acertar o momento em que a coisa ia começar a desandar”, afirma. “Antes que a crise chegue, com desaceleração da economia e aumento do desemprego, deveríamos estar preocupados com isso.”
Na avaliação do economista, cabe especialmente à oposição pautar esse debate. “Quem quer que seja o candidato da direita à eleição presidencial precisa fazer uma discussão real sobre o desequilíbrio macroeconômico”, defende. “O que a gente vai fazer?”, prossegue. “O que está no cardápio para a dívida parar de crescer? Isso deveria estar presente em todos os debates presidenciais.”
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