Em uma descoberta inédita relatada em um estudo publicado na revista Nature, cientistas revelaram que as formigas rainhas da espécie Messor ibericus, comuns na região mediterrânea, desafiam as regras tradicionais da biologia.

Diferente do que se observa na maior parte do reino animal, em que a prole pertence sempre à mesma espécie dos pais, essas rainhas têm a capacidade de produzir filhos de duas espécies distintas: descendentes da sua própria linhagem e também machos da espécie Messor structor – que se separou evolutivamente de M. ibericus há cerca de 5 milhões de anos, um intervalo comparável à divergência entre humanos e chimpanzés.

O achado surpreende porque não se trata de cruzamentos ocasionais com machos de outras colônias, mas de um processo único de clonagem interespécies. As formigas rainhas de Messor ibericus conseguem originar diretamente machos de Messor structor, sem contato com indivíduos dessa espécie.

Esses machos “estrangeiros” são então usados para fertilizar a rainha, permitindo a produção de híbridos em formigas operárias que, embora estéreis, sustentam a colônia com eficiência.

Como as formigas conseguem produzir machos Messor structor além da sua própria espécie?

As análises mostraram que as rainhas não dependem de acasalamento externo. Em vez disso, elas próprias botam ovos que se desenvolvem em machos de Messor structor, algo nunca registrado em outro grupo de insetos.

As evidências foram confirmadas por análises genéticas detalhadas. Todo o DNA mitocondrial dos machos, tanto de M. ibericus quanto de M. structor, revelou origem materna em M. ibericus.

Isso significa que a rainha é, de fato, a mãe de indivíduos de duas espécies diferentes. Diante desse cenário, os cientistas cunharam o termo xenoparidade, que significa “nascimento estrangeiro”, para descrever esse fenômeno sem precedentes.

Quais as vantagens do nascimento de formigas distintas no ponto de vista da ciência?

Do ponto de vista evolutivo, esse sistema reprodutivo incomum em insetos traz vantagens significativas. Ao produzir em casa machos de M. structor, a rainha elimina a dependência de encontrar parceiros de outra espécie.

Afinal, o fato é cada vez mais improvável, já que as áreas de distribuição das duas espécies raramente se sobrepõem atualmente. Assim, a colônia garante a produção contínua de operárias híbridas fortes e funcionais.

Quais os desafios do nascimento de formigas distintas no ponto de vista da ciência?

No entanto, a estratégia também levanta desafios biológicos e ecológicos. Ainda não se sabe quais são os impactos desse processo na diversidade genética a longo prazo, nem se a prática ocorre com a mesma intensidade em ambientes naturais quanto em condições de laboratório.

Também persiste o mistério de quais mecanismos moleculares permitem que uma única rainha crie descendentes de duas espécies distintas.

Essa descoberta também desafia a própria definição de “espécie”. Se uma rainha pode gerar tanto indivíduos da sua linhagem quanto de uma espécie diferente e ainda utilizá-los para criar híbridos viáveis, os limites que usamos para separar espécies tornam-se mais difusos e questionáveis.

Mesmo com a descoberta, ainda restam muitas dúvidas. Entre as perguntas que permanecem em aberto para a ciência estão:

• como surgiu essa capacidade de reprodução interespécies?
• existe algum benefício específico em gerar híbridos em vez de descendentes “puros”?
• será que outros grupos de formigas também escondem estratégias semelhantes?

A descoberta com as formigas rainhas de Messor ibericus mostra que a natureza é capaz de criar soluções extremamente inovadoras e inesperadas para garantir a sobrevivência. Mais do que um fenômeno curioso, a xenoparidade revela que a evolução pode explorar caminhos antes inimagináveis e que ainda temos muito a aprender sobre os limites da vida.