InícioEconomiaFibras alternativas e design circular entram no centro da estratégia da indústria...

Fibras alternativas e design circular entram no centro da estratégia da indústria da moda | ESG

Publicado em

SIGA NOSSAS REDES SOCIAS

spot_img

Apenas na campanha da Black Friday deste ano, no final de novembro, a expectativa era que os brasileiros comprassem 573 milhões de peças de vestuário, gastando em torno de R$ 28,4 bilhões, segundo estimativa do IEMI – Inteligência de Mercado. A grande maioria, roupas e calçados novos. Em um país que já descarta, por ano, 4 milhões de peças de vestuário – 44 quilos de roupas e calçados por domicílio – o volume do potencial de lixo têxtil no Brasil nos próximos anos só aumenta.

O impacto ambiental da indústria têxtil não é novo. Mas as redes sociais e a pressão de consumidores e legisladores por sustentabilidade tem feito o tema ganhar mais repercussão. Notícias sobre pilhas de roupas descartadas no deserto do Atacama, no Chile, que já podem ser avistadas do espaço ou casos de fibras sintéticas encontradas no estômago de peixes no Canal da Mancha dão uma dimensão do desafio de toda a cadeia. Desde a inovação para testar novas matérias-primas de origem vegetal, passando pelo desenvolvimento de tecnologia para fabricar fios com conteúdo maior de material reciclado, até a conscientização de pessoas para compra consciente, descarte correto e preferência por peças mais duradouras, a indústria têxtil está em uma fase de transformação.

“Quando falamos de sustentabilidade, é sempre um caminho e não um final”, comenta Paulo Moreira, sócio-fundador da marca brasileira de moda masculina sustentável Oriba, ao lado de Rodrigo Ootani e Marcelo Collis. Há 11 anos, quando lançaram a primeira coleção, o trio se considerava “outsider” do mercado de moda, por irem na contramão do fast fashion, que lança diversas coleções ao longo do ano, incentivando a compra frequente. Hoje, a marca pertence ao grupo Shoulder, mas os sócios garantem que mantém as mesmas características e valores do início. ”Nunca colocamos o lucro acima de tudo”, diz Paulinho, como é conhecido.

Desde o início, a Oriba cria peças com design básico e com alta qualidade justamente para serem atemporais e contribuírem para reduzir o descarte têxtil e o consumo desenfreado, em uma das indústrias que mais poluem o planeta. “Sempre entendemos o impacto ambiental do produto e, por isso, desde o início queríamos fazer um produto versátil e básico para que nosso cliente compre menos e melhor e atacamos o problema do consumo exacerbado”, conta.

Segundo estudo da S2F Partners, o mundo descarta 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano, sendo que cerca de 80% dos resíduos têxteis são incinerados, aterrados ou vão parar em lixões e no meio ambiente, de acordo com outro levantamento, da Fundação Ellen MacArthur, ONG internacional dedicada à promoção da economia circular. Em média, não se usa mais do que oito vezes uma mesma peça e o percentual de resíduo reciclado e transformado em novos materiais têxteis não chega a 1% de tudo que é descartado. Ou seja, parece ser uma equação insustentável, literalmente.

Diante disso, a indústria enfrenta dois desafios: acelerar a adoção de matérias-primas menos poluentes e fios reciclados, ao mesmo tempo em que redesenha seu modelo de produção para facilitar a economia circular após o descarte.

“O grande desafio hoje é o pós-consumo”, comenta Rodrigo Ootani, sócio da Oriba. “Por isso, como eu facilito o ciclo de vida dos produtos, da escolha dos componentes do produto em si até o uso de materiais?”, acrescenta. A marca substituiu os rebites de seus jeans e calças por um bordado específico que cumpre a mesma função de reforço, facilitando a reciclagem das peças em larga escala. Para o executivo, um dos maiores desafios da indústria está justamente no pós-consumo, e por isso a Oriba avalia o ciclo de vida completo dos produtos — dos componentes aos materiais utilizados.

Hoje, cerca de 60% das peças são feitas de um único material, evitando misturas desnecessárias. A marca só usa fibras sintéticas ou blends (misturas de materiais) quando essas combinações realmente agregam valor ao produto e ao cliente. Em itens como roupas casuais com tecnologias antiodor e de secagem rápida, o esforço tem sido encontrar alternativas que não dependam de misturas difíceis de reciclar, para que o destino final das peças seja a própria indústria.

Das 120 mil peças vendidas pela Oriba em 2024, por exemplo, 43% contam com matérias-primas mais sustentáveis, incluindo algodão orgânico e regenerativo, linho, cânhamo e poliéster reciclado proveniente de garrafas plásticas pós-consumo. Hoje, cerca de 80% dos insumos utilizados são naturais, como linho, algodão e cânhamo, e aproximadamente 2% já é poliéster reciclado.

Paulinho, sócio da empresa, reforça que a intenção da Oriba não é lançar coleções cápsula “verdes”, como é comum hoje na indústria da moda, mas incorporar esses materiais ao portfólio como um todo. “Se conseguimos parcerias [que ajudem a inovar], não é para algo pontual; é para transformar o ‘core’ da marca”, explica.

A empresa avalia cada etapa — do desenvolvimento do design da peça ao processo de lavagem do jeans — para entender se realmente está entregando algo melhor e mais sustentável ao mercado. Caso não seja possível atingir esse padrão, a marca prefere não lançar o produto.

A marca paulista decidiu, então, investir na transformação de sua cadeia. “Em 2020, mudamos nossa principal camiseta para algodão certificado e orgânico”, afirma Paulinho. Ainda que os fornecedores já trabalham com BCI (Better Cotton Initiative), certificação que segue padrões globais de sustentabilidade do algodão, agora os sócios querem avançar para a substituição total por algodão orgânico. Para isso, apoiam projetos de agricultura familiar e quilombola, como o assentamento no interior da Paraíba, em Ingá, de onde já compram a matéria-prima orgânica.

Projetos deste tipo, contudo, esbarram em escala e custos. Ele cita que na primeira safra do algodão orgânico, os agricultores de Ingá colheram apenas cinco toneladas de pluma, por falta de maquinário e infraestrutura. Com investimento contínuo e compras mensais garantidas — não só da Oriba, mas também de outros parceiros —, a produção deve chegar a 100 toneladas em dois anos. “O algodão orgânico vale mais porque exige mais investimento e envolve mais gente. Hoje, quatro vezes mais famílias fazem parte da cadeia”, diz.

A missão da marca, segundo Paulinho, é conciliar impacto reduzido, qualidade e usabilidade, e isso passa por repensar estruturas, criar materiais escaláveis e manter relações de longo prazo com fornecedores. “É assim que conseguimos evoluir sem abrir mão do que acreditamos”, conclui.

A Lycra também enfrenta o desafio de desenvolver produtos com matérias-primas alternativas ao petróleo. A marca, reconhecida pela elasticidade proporcionada pelo elastano — fibra sintética derivada de poliuretano —, vem testando há alguns anos novas soluções de origem vegetal. No Brasil, firmou parceria com a LIVE! para lançar a linha UpFit, primeiro tecido feito com o fio LYCRA EcoMade, composto por 70% de biomassa de milho. Mesmo considerando o transporte do fio, importado dos EUA, a pegada de carbono das peças é, em média, 44% menor do que a de produtos convencionais com elastano tradicional, de poliuretano.

LIVE! e LYCRA fazem parceria para linha UpFit, com tecido feito com o fio LYCRA EcoMade, composto por 70% de biomassa de milho. — Foto: Live/ Divulgação

A colaboração é uma das iniciativas do laboratório LIVE! Future, hub de inovação da marca esportiva dedicado ao desenvolvimento de tecnologias com menor impacto. A empresa brasileira já utiliza, por exemplo, o tecido Fit Green, feito com poliamida reciclada da Sensil e elastano reciclado da Lycra. Segundo metodologia do Higg Index, um top de ginástica dessa linha, por exemplo, emite 5,97 kg de dióxido de carbono equivalente (CO₂e) ao longo de todo o processo, desde a fabricação de matérias-primas, a produção em si, até o transporte transporte e uso. O cálculo é usado para orientar o programa de compensação da LIVE!, que investe no projeto Pantanal aLIVE!, ligado ao Reflorestando Verdes e Saberes. A empresa também utiliza embalagens de cana-de-açúcar.

Para avançar em metas ESG e alinhamento aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, a LIVE! conta com consultoria da REORDER. Hoje, opera com 100% de energia limpa e devolve ao rio 85% da água tratada, usando o restante no próprio processo produtivo.

A Lupo aposta em fios biodegradáveis, especialmente em poliamida. Apesar de sintéticos, esses materiais apresentam decomposição muito mais rápida em aterros sanitários que a poliamida comum. Vinicius Morbeck, diretor Industrial e coordenador de Sustentabilidade da Lupo, observa que durabilidade e desempenho seguem mantidos: “A poliamida tem de 15% a 20% de uso a mais. Não tem número científico, nem nosso nem do fornecedor, mas vemos na prática.”

A companhia também vem expandindo o uso de fios pré-pigmentados. O processo evita etapas de tingimento e reduz consumo de água e químicos. “Além de encurtar o tempo de processo, não precisa mais tingir o fio ou a roupa. O fio já chega com a cor”, diz Morbeck. As principais cores — preto, branco e cinza — já estão consolidadas, e novas tonalidades começam a ser desenvolvidas, embora dependam de escala mínima do fornecedor. “O que impede ter 100% dos produtos pré-pigmentados é isso.”

@jornaldemeriti – Aqui você fica por dentro de tudo.
Fala com a gente no WhatsApp: (21) 97914-2431

Artigos mais recentes

Vereador dos EUA avalia retirada de sanção de Moraes

O vereador Mauricio Galante, representante do Partido Republicano de Arlington, no estado americano do...

Moraes está “enrolando” para autorizar nova cirurgia de Bolsonaro

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal...

Eleições serão ponto extremo sobre que tipo de país população vai querer, diz Lula | Política

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, nesta quarta-feira (17),...

Investida dos EUA na Venezuela tem como foco petróleo, diz jornal

Os meses de pressão dos Estados Unidos sobre a Venezuela não tem como prioridade...

MAIS NOTÍCAS

Vereador dos EUA avalia retirada de sanção de Moraes

O vereador Mauricio Galante, representante do Partido Republicano de Arlington, no estado americano do...

Moraes está “enrolando” para autorizar nova cirurgia de Bolsonaro

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal...

Eleições serão ponto extremo sobre que tipo de país população vai querer, diz Lula | Política

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, nesta quarta-feira (17),...