A megaoperação realizada nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou em 121 mortes — entre elas quatro policiais — e 113 prisões levantou o receio de que o Comando Vermelho possa tentar ações de retaliação. Analistas de segurança e policiais afirmaram à reportagem que há um risco de conflitos, tanto no Rio de Janeiro quanto em outros estados onde a facção possui presença consolidada, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
O governo fluminense classificou a ação do dia 28 no Rio como um sucesso operacional. Além das prisões, ela resultou na apreensão de 118 armas e cerca de uma tonelada de drogas. O governador Cláudio Castro disse que mais uma dezena de operações contra o crime organizado estão em planejamento. Segundo analistas, isso pode desencadear reações do crime organizado tanto na esfera informacional quanto no terreno com ações “concretas”.
Nesta sexta-feira (7), o Ministério da Justiça afirmou que uma concessionária elétrica responsável, pelo fornecimento de energia da região onde ocorre a COP 30, a Conferência Mundial do Clima no Pará, recebeu uma ameaça que pode estar relacionada ao Comando Vermelho. Um criminoso que se identificou como membro da facção ameaçou fazer ataques contra instalações da empresa. Não é possível ainda saber se ele de fato agiu a mando do CV.
Não há por ora outros casos de conhecimento público. Mas, segundo analistas ouvidos pela reportagem, a resposta já pode estar ocorrendo no campo informacional. A hipótese é que membros da facção estejam exercendo influência em manifestações de ONGs que vêm criticando a operação e a classificando como “chacina histórica” – com o possível objetivo de influenciar o cenário político.
Para o cientista político, especialista em segurança pública Marcelo Almeida, o fato de algumas organizações civis e entidades de direitos humanos terem classificado a ação como “uma das maiores chacinas urbanas da história recente do país”, pode servir como um combustível para o crime organizado. “Isso intensifica a tensão entre forças de segurança e facções, dando encorajamento e certa legitimidade no poder de vingança”, descreve.
Para o senador Sergio Moro (União-PR), mesmo que haja o risco de ações colaterais, o Estado precisa estar preparado para o enfrentamento. Ao comentar uma pesquisa que revelou que a maioria da população apoia a operação realizada no Rio de Janeiro, ele disse que “quem gosta de traficante é político e intelectual de esquerda, o trabalhador gosta de ter segurança para viver em paz”.
Rebeliões em prisões e ataques são hipóteses que não podem ser descartadas
No campo de ações práticas no terreno estão possíveis rebeliões em presídios e atentados contra autoridades, forças de segurança e até ataques nas ruas, para provocar pânico social.
Há ainda o risco de faccionados intensificarem suas movimentações em regiões de fronteira, corredores de abastecimento de drogas, armas e munições, além de usarem como rota de fuga.
Segundo o investigador aposentado das forças federais de segurança, Sérgio Leonardo Gomes, a possibilidade de ações violentas é real e deve ser levada em consideração. “O serviço da contrainteligência é essencial nesse momento. O CV sofreu um duro golpe, não só na sua estrutura e logística, mas também no seu ego”, destaca.
O investigador avalia que o CV não costuma deixar ações dessa magnitude sem resposta e alerta para a possibilidade de uma série de ataques contra policiais, bases comunitárias e em áreas públicas.
Ele lembra que é comum que facções reajam com táticas de guerra urbana, bloqueando vias, incendiando ônibus e atacando alvos simbólicos do Estado. “Por isso as forças de segurança precisam agir de forma coordenada, pois a tendência é de o Comando Vermelho demonstrar sua força e capacidade de mobilização, mesmo após perdas significativas. A facção transforma o luto em combustível para reafirmar o domínio territorial”, explica.
O coronel da reserva da Polícia Militar e membro da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, Alex Erno Breunig, avalia que as retaliações mais comuns podem se iniciar em presídios e penitenciárias com rebeliões. Porém, ele não descarta que isso possa ocorrer de forma simultânea nas ruas.
Um levantamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública indica que há registros de faccionados do Comando Vermelho em presídios de pelo menos 23 estados e no Distrito Federal, o que para o oficial coloca todo o sistema em alerta.
Segundo ele, as polícias devem estar atentas a isso e, caso necessário, precisam rechaçar qualquer “onda de terrorismo que seja iniciada”. O coronel avalia que apesar dos embates e politização do tema, o Estado pode demonstrar ser mais forte do que os grupos criminosos. “Basta haver vontade política e jurídica para usar essa força”, destaca.
“A batalha no campo deve ter também respaldo nos tribunais e na opinião pública, caso contrário, a megaoperação pode ser desfigurada como ocorreu com a Lava-jato”, alerta Gomes.
Para o cientista político Marcelo Almeida, o cenário atual é particularmente perigoso porque a operação ocorreu em duas áreas estratégicas para o tráfico no Rio — a Penha e o Alemão —, consideradas corredores logísticos para o escoamento de drogas e armas.
“Ao atingir diretamente esses complexos, o Estado interferiu nas rotas de abastecimento, o que impacta financeiramente toda a cadeia criminosa. A resposta da facção pode vir na forma de sabotagens, ataques coordenados e até aumento de assaltos para recompor o caixa perdido”, afirma.
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A ameaça além do Rio de Janeiro
A reportagem apurou que informações de diferentes forças de inteligência de órgãos de segurança monitoram a possibilidade do Comando Vermelho ter acionado suas células em diferentes estados brasileiros.
A facção tem forte presença no Pará, onde ocorre nos próximos dias a COP-30, no Amazonas, no Ceará e no Mato Grosso do Sul, esse último um estado que faz fronteira com o Paraguai, uma das principais rotas de fuga de criminosos e abastecimento de drogas e armas.
Para os especialistas, a facção pode ordenar ações em outros estados para dispersar o foco da repressão no Rio. “É uma estratégia clássica de guerra assimétrica: quando o centro é atacado, o grupo cria distrações em diferentes frentes”, destaca Breunig.
Ele afirma que a fronteira oeste do país acaba se transformando em um ponto de vulnerabilidade. “O Comando Vermelho mantém ligações com organizações criminosas na Bolívia e no Paraguai, principalmente para o tráfico de armas e drogas. Há o risco de que fugitivos da operação tentem cruzar as fronteiras, assim como a tentativa de intensificar a entrada de drogas e armas no Brasil”, explica.
Países vizinhos, como Argentina e Paraguai, tomaram medidas preventivas. Ambos reforçaram o efetivo militar e policial nas fronteiras com o Brasil. O Conselho de Defesa Nacional do Paraguai divulgou nota informando que “ações extraordinárias de vigilância” estão em curso desde o dia da operação no Rio.
A ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, anunciou o aumento do efetivo das tropas federais na fronteira de seu país. Ela também divulgou ofício enviado à secretária de Segurança Nacional, Alejandra Monteoliva, orientando a ampliação da vigilância e o contato direto com autoridades brasileiras e paraguaias para ações coordenadas. No documento, ela se refere aos membros do Comando Vermelho como “narcoterroristas”.
Os três países — Brasil, Argentina e Paraguai — já possuem um acordo de cooperação policial, que instituiu o Comando Tripartite da Tríplice Fronteira. A partir de um alerta emitido pelo comando, o governo paraguaio decidiu intensificar o controle migratório, além de implementar medidas extraordinárias de segurança.
Nessa barreira de monitoramento, autoridades argentinas prenderam no último dia 31 três brasileiros suspeitos de integrar o CV. Eles são do Rio de Janeiro e foram capturados enquanto tentavam cruzar a fronteira por uma passagem clandestina na província de Misiones, região próxima ao território brasileiro.
De acordo com a polícia local, dois deles já possuíam antecedentes por tráfico de drogas e há indícios de que o trio tenha fugido do cerco policial. As autoridades argentinas informaram que os suspeitos permanecerão sob custódia até que o Brasil envie informações oficiais sobre suas identidades e eventuais mandados de prisão.
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Vigilância nas fronteiras do lado brasileiro
Do lado brasileiro também há reforço na fiscalização das fronteiras, sobretudo entre Brasil e Paraguai. “A fuga de integrantes dos grupos criminosos para locais distantes de suas bases é um fenômeno de muito tempo, seja para diversos estados brasileiros, seja para território estrangeiro e não será diferente desta vez”, destaca Sérgio Leonardo Gomes.
Gomes, que atuou como policial por muitos anos na fronteira entre Brasil e Paraguai, lembra que os principais nomes das facções possuem rotas de fuga pré-determinadas e diversos locais já preparados para recebê-los. A peculiaridade é que as possíveis rotas estão muito mais vigiadas pelas forças de segurança. “Parte poderá esperar o assunto esfriar um pouco para fugir, mas parte deve tentar imediatamente passando de forma isolada e sem chamar muita atenção”, reforça.
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CV pode tentar reorganização, ações simbólicas e retomada territorial
Membros de diferentes forças de segurança consultados pela reportagem apontam que, após operações de grande impacto, facções criminosas como o Comando Vermelho tendem a agir em três fases:
- Reorganização interna – com substituição de faccionados mortos ou presas e redistribuição de recursos;
- Ações simbólicas – ataques pontuais contra agentes de segurança e alvos estatais na tentativa de recuperar a “moral da facção”;
- Retomada territorial – invasões e confrontos para reocupar áreas onde a presença do grupo tenha sido reduzida por causa da operação.
Sérgio Leonardo Gomes acredita que os ataques podem ocorrer em locais inesperados, inclusive fora dos grandes centros. “O Comando Vermelho tem se expandido para cidades médias do interior, onde o policiamento é reduzido e a presença do Estado é frágil. Esses locais podem se tornar alvos preferenciais de retaliações”, afirma.
“O Estado entra com força total, causa baixas significativas, mas precisa ocupar o território de forma permanente. Quando o Estado se retira, o tráfico volta, mais violento e melhor armado. O que estamos vendo é uma repetição dessa lógica”, completa o sociólogo Gustavo Alves.
Alves acrescenta que, além do risco de represálias, há também um impacto psicológico profundo sobre as próprias comunidades e regiões dominadas pelo crime organizado. “A população fica no meio de duas forças: de um lado, o Estado e, do outro, a facção que reage com terror. Isso destrói o tecido social e alimenta a desconfiança”, completa.
Para os especialistas, a questão central agora não é apenas contabilizar mortos, drogas ou armas apreendidas, mas entender como a facção reagirá nas próximas semanas. “A verdadeira resposta do Comando Vermelho ainda não aconteceu. O que virá pode testar os limites da segurança pública brasileira”, resume Breunig ao avaliar que se tratam de conflitos que, há décadas, desafiam o Estado e ameaçam a estabilidade.
O presidente da Associação de Guardas Municipais do Brasil (AGM-Brasil), Reinaldo Monteiro, não acredita em uma retaliação imediata do Comando Vermelho contra as forças de segurança, mas faz alertas. Segundo ele, o crime organizado tenta evitar confrontos diretos com o Estado, pois entende que isso prejudica seus “negócios milionários”.
Porém, a política da facção de evitar o confronto deve ocorrer somente se a facção se mantiver sem prejuízos mais significativos com a ação policial. “O Estado fez uma operação, mas não ocupou o território. Isso significa que os negócios do crime continuam funcionando. O Comando Vermelho perdeu alguns integrantes, mas já repôs esse material humano, que é barato para o crime”, afirmou. Monteiro explicou ainda que, dentro da lógica das facções, a morte de criminosos é vista como uma oportunidade de ascensão para outros membros. “Os que estavam na base agora sobem de posto. O crime funciona com um sistema próprio de reposição”, disse.
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