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Brasil e China: os dois gigantes que podem salvar – ou travar – a transição verde | ESG

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A agenda climática global teve grandes avanços desde a COP21, em Paris, onde as partes se comprometeram a limitar o aquecimento global e anunciaram metas de descarbonização agressivas. Dez anos depois, está claro que apenas promessas não bastam. É preciso transformar compromissos e discursos em ação, e suportada por políticas públicas consistentes. É exatamente isso que estará em jogo na COP30, em Belém.

O Brasil, anfitrião da próxima COP, ocupa posição única. É o país que apresenta a matriz energética mais limpa do G20. Quase 50% da energia consumida vem de fontes renováveis, contra uma média global de apenas 15%. No setor elétrico, o índice brasileiro chega a 88%, sustentado por hidrelétricas, energia solar e eólica. Ao mesmo tempo, o país é guardião da maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, além de biomas como o Cerrado e o Pantanal, que concentram uma parte relevante da biodiversidade global. O Brasil também possui 12% da água doce superficial mundial, um recurso estratégico tanto para energia e agricultura, quanto para resiliência climática.

Esses fatores fazem do Brasil uma verdadeira potência verde natural. Diferentemente de países que precisam reconstruir suas matrizes energéticas baseadas em fósseis, o Brasil parte de uma posição de vantagem. O desafio é transformar essa abundância em liderança tecnológica e industrial. Hoje, o país continua exportando commodities agrícolas, minerais e fósseis, mas importa painéis solares, baterias e turbinas — justamente as tecnologias que são cruciais à transição energética.

A China, que apresentou suas novas NDCs na Climate Week de Nova York, decepcionou o mercado com metas abaixo do esperado e poucos ambiciosas. Por outro lado, construiu na última década uma supremacia industrial sem precedentes em tecnologias verdes. Controla mais de 80% de toda a cadeia solar global, domina cerca de 75% da produção de baterias de íon-lítio e responde por mais de 60% da fabricação de turbinas eólicas. Por conta da escala chinesa, os preços de painéis solares, baterias e equipamentos despencaram na última década, permitindo sua adoção em massa em diversos países. A China é hoje a maior potência verde industrial, capaz de oferecer tecnologia em escala. Mas sua posição dominante, claro, também oferece riscos.

A China ainda depende em grande parte do carvão para sustentar sua economia interna, o que contradiz o papel de líder climático. Além disso, a forma como alcançou essa liderança desperta preocupações, com muitos de seus programas recebendo subsídios pouco transparentes que podem criar assimetrias no mercado internacional. A produção em larga escala está associada a impactos ambientais locais, como poluição do ar e da água, e a problemas trabalhistas em regiões de menor regulação. Há ainda a questão da governança: o acesso a dados confiáveis sobre emissões, intensidade de carbono e rastreabilidade de insumos é limitado, o que gera pouca confiança nos números.

Outro risco é a dependência excessiva de alguns países, que baseiam sua transição energética em produtos chineses. Eles podem se tornar vulneráveis a choques geopolíticos, tarifas, ou decisões unilaterais de Pequim. Essa concentração também inibe a diversificação de cadeias globais, aumentando o risco de gargalos estratégicos.

Enquanto a China fabrica, o Brasil guarda. Apesar das distorções, a complementaridade entre os dois países pode ser transformada em oportunidade, desde que conduzida com cautela. A geopolítica atual gerou imposição de tarifas sobre produtos chineses e esse movimento abre uma janela para o Brasil. Para a China, o país é um mercado estratégico sem barreiras significativas e porta de entrada para a América Latina. Para o Brasil, a relação pode significar acesso a tecnologias de ponta a preços mais competitivos, além da possibilidade de atrair fábricas chinesas para o território nacional, gerando empregos e integrando-se a cadeias globais de valor. Mas é fundamental que essa aproximação resulte em uma parceria equilibrada, com transferência de conhecimento e desenvolvimento industrial local.

O papel brasileiro não se limita a hospedar a COP30. A conferência em Belém será determinante para reposicionar o país como líder global na agenda climática. Será uma oportunidade para demonstrar como os ativos naturais podem ser combinados para geração de valor futuro e apresentar a matriz limpa como modelo de transição, a biodiversidade como base para uma nova bioeconomia e a capacidade agrícola como vitrine de soluções de baixo carbono. Essa é a chance de o Brasil deixar de ser visto apenas como exportador de commodities e se afirmar como referência em desenvolvimento de tecnologias sustentáveis.

Exemplos desse potencial já estão à vista. A bioeconomia amazônica, baseada no uso sustentável da floresta em pé, que hoje representa 1,5% do PIB, pode triplicar de tamanho e movimentar bilhões de dólares em novos mercados de fármacos, alimentos e biotecnologia. A agricultura de baixo carbono pode ampliar a produtividade sem expandir a fronteira agrícola. A indústria de biocombustíveis tem espaço para se reinventar e atender setores como a aviação e o transporte pesado. E a transição para veículos híbridos e elétricos pode ser acelerada, tornando o Brasil hub regional de mobilidade limpa.

O desafio é conciliar essas oportunidades com contradições persistentes. O Brasil ainda é grande produtor de petróleo, com o pré-sal em expansão, e enfrenta pressões constantes de desmatamento ilegal. Essas tensões minam a credibilidade internacional do país. A COP30 oferecerá a oportunidade de mostrar que é possível virar a chave, integrando petróleo e agropecuária em uma estratégia clara de transição para um modelo mais sustentável e competitivo.

Nesse processo, a relação com a China pode ser decisiva, mas deve ser construída com atenção aos riscos. Como toda grande potência industrial, ela precisa de novos mercados para seus produtos e de parceiros para diversificar cadeias diante das tarifas comerciais recentes. O Brasil precisa de tecnologia acessível, investimentos e escala industrial. A equação só funcionará se houver transparência, diversificação e contrapartidas claras. Uma parceria estratégica pode consolidar um eixo verde do Sul Global, oferecendo alternativas ao modelo dominado por EUA e Europa, mas o Brasil deve se resguardar para não se tornar apenas consumidor passivo da tecnologia chinesa.

Os próximos dez anos serão decisivos. No cenário mais ambicioso, Brasil e China aprofundam a cooperação e constroem cadeias produtivas conjuntas, com fábricas instaladas em território brasileiro, bioeconomia e agro de baixo carbono ganhando escala global e o país consolidado como líder diplomático e fornecedor de soluções verdes. Num cenário intermediário, o Brasil mantém sua matriz limpa e a posição de guardião ambiental, mas continua dependente de importação tecnológica. No cenário mais adverso, a fragmentação geopolítica se acentua, forçando o Brasil a escolher lados e expondo sua vulnerabilidade diante da concentração chinesa.

O futuro dependerá da capacidade do Brasil de agir com visão estratégica. O país já tem as condições naturais e a legitimidade política de sediar a COP30, no coração da Amazônia. Falta transformar essas vantagens em projeto nacional de longo prazo, integrando políticas energética, industrial, agrícola e ambiental. O Brasil não pode se limitar a palco de debates. Precisa assumir o papel de ator principal.

Enquanto a China seguirá fabricando o futuro verde — ainda envolta em riscos de opacidade e contradições internas —, o Brasil tem a chance de que a natureza ofereça as soluções desse futuro. É um papel distinto, mas complementar. E é na junção dessas duas potências, desde que construída com equilíbrio e transparência, que pode nascer a verdadeira transformação da economia global. Se o Brasil mostrar ao mundo que é possível conciliar preservação ambiental, desenvolvimento sustentável e inclusão social, a COP30 marcará não apenas um ponto de virada para o país, mas para toda a transição climática na agenda de implementação.

Ricardo Assumpção é sócio-líder de Sustentabilidade e CSO LATAM da EY. Possui especialização pela London Business School, no Reino Unido, e é autor de diversos artigos, estudos e white papers para organismos nacionais e internacionais sobre a criação de valor e inovação através da sustentabilidade. Fundador de 3 empresas de impacto especializados para integrar ESG e ciências na estratégia de empresas e no processo de decisões corporativas, de forma a conciliar interesses de investidores, acionistas e stakeholders. É pesquisador associado ao Centro de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getulio Vargas, FGV-EASP. Produtor executivo do premiado documentário Amazônia 4.0: The Reset Begins. Foi eleito TOPVOICES LinkedIn de sustentabilidade em 2021.

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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