Após a aprovação do pedido de urgência no último dia 22 de outubro, o projeto que cria a chamada Bancada Cristã pode ser votado em plenário ainda neste mês de novembro. A proposta é apoiada por integrantes das frentes evangélica e católica, que reúnem mais de 300 deputados e que conseguiram articular, nesta quarta-feira (5), a derrubada de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que facilita o aborto em crianças e adolescentes.
Diante do tamanho da representatividade, o grupo de parlamentares defende a criação de uma nova liderança temática – a Bancada Cristã – com direito a voto no Colégio de Líderes da Câmara, instância responsável por definir a pauta de votações. A articulação é conduzida pelos deputados Gilberto Nascimento (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, e Luiz Gastão (PSD-CE), líder da Frente Parlamentar Católica.
A ideia é unificar as duas frentes sob uma representação institucional, com direito a indicar um líder e participar das reuniões que definem as prioridades da Câmara. As frentes são associações de deputados de vários partidos que se reúnem para articular pautas específicas de interesse de um segmento, mas não têm poder regimental para interferir na tramitação de projetos, como as bancadas e blocos partidários.
Num primeiro momento, a liderança da Bancada Cristã será ocupada por Gilberto Nascimento, da frente evangélica, que depois de um ano cederá a cadeira para um integrante da frente católica.
O status de liderança garante uma série de prerrogativas políticas: o líder da Bancada Cristã poderá votar nas reuniões do Colégio de Líderes, onde se decide o que vai ou não à pauta do plenário, negociar tempo de fala, participar de acordos de procedimento e ter acesso direto à Mesa Diretora.
O posto também assegura o direito de indicar representantes em comissões permanentes e integrar as rodadas de negociação com o governo e outras bancadas partidárias. Conforme apurou a reportagem junto aos líderes partidários, a votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) sobre a resolução do Conanda, por exemplo, só aconteceu por conta da pressão das frentes religiosas junto ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Os grupos religiosos argumentam que buscam um direito semelhante ao das bancadas feminina e negra, que já participam do Colégio de Líderes com status de liderança. “Mais de 80% da população brasileira é cristã. A Constituição nos garante liberdade da manifestação da fé de todas as formas”, explica o deputado Luiz Gastão.
Partidos de esquerda tentam atrasar votação do projeto no plenário da Câmara
O pedido de urgência para a criação da Bancada Cristã foi aprovado por 398 votos favoráveis e apenas 30 contrários em 22 de outubro. Com a urgência aprovada, a proposta pode ser votada nas próximas semanas diretamente em plenário, sem passar pelas comissões temáticas.
A votação movimentou o plenário e opôs a base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), composta por partidos de esquerda, e a oposição, de viés conservador. PT e PSOL orientaram voto contrário à proposta, sob o argumento de que o Brasil é um Estado laico e que a criação da bancada institucionalizaria um privilégio religioso.
Apesar da orientação contrária da bancada do PT, 56 deputados do partido votaram a favor da urgência e somente 10 contra. Reservadamente, parlamentares petistas admitem que teriam dificuldades de votar contra a urgência diante da pressão de seus eleitores. Apesar disso, sinalizaram que trabalham para que o projeto não seja colocado em votação ainda neste ano.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), classificou a medida como uma distorção institucional. “A gente está criando um monstrengo no Colégio de Líderes”, afirmou.
Já a líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), reforçou a crítica e questionou se outras religiões também teriam o mesmo direito. “Nós vamos ter também a bancada do candomblé? A bancada de religiões de matriz africana?”, questionou.
O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), integrante da Frente Evangélica, rebateu as críticas dos partidos de esquerda. “Isso é o desespero, pois, com a Bancada Cristã, o movimento conservador ganha força neste plenário. Isso eles não querem”, afirmou.
A proposta de institucionalizar a Bancada Cristã vinha sendo discutida desde a gestão de Arthur Lira (PP-AL), mas ganhou força sob o comando de Hugo Motta, que tem buscado aproximação com grupos conservadores e ampliar o espaço das frentes temáticas dentro da Câmara.
Nos bastidores, a articulação é vista como um gesto político de realinhamento da base parlamentar, num momento em que a Casa debate temas sensíveis ao eleitorado cristão, como a regulação das redes sociais, a política de drogas e os vetos do presidente Lula ao novo marco do licenciamento ambiental.
Bancada Cristã mostra força e derruba regras sobre aborto
A Frente Evangélica, criada em 2003, e a Frente Católica, de atuação mais recente, somam hoje cerca de 300 parlamentares. Ambas têm grande influência em pautas de costumes, família e educação. Com assento no Colégio de Líderes, o grupo passaria a ter influência direta na definição da pauta e nas negociações entre governo e oposição.
Mesmo antes de ser formalmente criada, a futura Bancada Cristã já definiu sua primeira bandeira de atuação: a revisão da resolução do Conanda, que permite o aborto em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, sem necessidade de consentimento dos pais. O texto para sustar o decreto estava parado desde fevereiro e, segundo líderes da Casa, foi colocado em votação neste momento para que o grupo religioso mostrasse que tem maioria no plenário.
O texto do Conanda, editado em 2024, determina que crianças e adolescentes vítimas de estupro têm direito a ser informadas sobre a possibilidade de interromper a gravidez, conforme previsto em lei, sem necessidade de boletim de ocorrência ou autorização judicial. Após a aprovação na Câmara, o PDL segue para o Senado, onde também precisa ser aprovado para que a resolução do Conanda deixe de valer.
A resolução também considera discriminatória a recusa de um profissional de saúde em realizar o procedimento com base apenas na descrença quanto ao relato da vítima.
A deputada Chris Tonietto (PL-RJ) é autora do projeto que susta a resolução, sob o argumento de que o ato normativo “inventa um direito ao aborto que não existe”.
O relator do projeto, Luiz Gastão (PSD-CE), disse que o texto do Conanda “protege o estuprador” ao permitir o aborto sem o registro policial. “A dispensa de autorização judicial, a meu ver, constitui afronta ao direito de acesso do nascituro ao Poder Judiciário”, declarou.
Segundo ele, a resolução “extrapola os limites legais, a vida, a literatura médica e o próprio bom senso”. “A resolução não dispõe sobre qualquer limite de tempo para a interrupção da gravidez, o que, na prática, autorizaria a realização de aborto em casos nos quais a gestação está próxima de 40 semanas”, disse o relator.
Gastão explicou que mesmo em países onde o aborto é permitido de forma mais ampla, como França e Reino Unido, há sempre um limite temporal para a prática. Ele lembrou que, atualmente, com o suporte da UTI neonatal, as chances de um bebê sobreviver aumentam muito a partir das 24 semanas.
“Admitir que um órgão do Executivo desconsidere por completo a viabilidade fetal extrauterina e estabeleça a possibilidade de abortos em gestações avançadas, qualquer que seja a causa da gravidez, revela-se incompatível com o Código Penal, além de colidir frontalmente com a vida e a integridade física do nascituro”, argumentou.
Para o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), “o Conanda não tem o direito de legislar sobre aborto”. Já o deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO) defendeu que a resolução do Conanda “viola os princípios da legalidade e da separação dos Poderes, além de comprometer o direito constitucional à autoridade parental”.
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