Astrônomos descobriram uma anomalia que questiona nossa compreensão do universo. Telescópios detectaram uma distribuição desigual de galáxias no espaço profundo — 3,67 vezes maior que o esperado. A descoberta sugere que o Sistema Solar pode estar se movendo mais rápido que o calculado, ou que existem falhas na teoria cosmológica atual. O achado tem alta confiabilidade estatística.
O que os cientistas descobriram?
Uma equipe internacional liderada pelo astrônomo Lukas Böhme analisou dados de três grandes observatórios de rádio espalhados pelo mundo. Eles estudaram o que podem ser milhões de galáxias distantes que emitem ondas de rádio. O trabalho foi publicado em novembro de 2025.
Os pesquisadores descobriram que essas galáxias não estão distribuídas uniformemente no céu, como deveria acontecer segundo as teorias atuais. Existe uma assimetria: há muito mais galáxias em uma direção do céu do que na direção oposta.
O grau de confiança dessa descoberta é de 5,4 sigma. Na prática, isso significa que a chance de ser um erro estatístico é de apenas 1 em 3,5 milhões. Para cientistas, qualquer resultado acima de 5 sigma é considerado uma descoberta sólida.
Por que isso é importante?
Essa descoberta abala um dos pilares da cosmologia moderna: o Princípio Cosmológico. Esse princípio diz que, quando olhamos para escalas muito grandes do universo, tudo deveria parecer uniforme. Não deveria haver uma direção “especial” no espaço.
É como imaginar um bolo com gotas de chocolate. Visto de longe, o bolo parece ter chocolate distribuído igualmente por toda parte. O Princípio Cosmológico afirma que o universo funciona assim: visto em grande escala, a matéria está espalhada de forma homogênea.
Mas se essa nova medição estiver correta, o “bolo” do universo tem muito mais “chocolate” de um lado do que do outro. Isso contraria décadas de observações e teorias sobre como o universo se formou e evoluiu após o Big Bang.
Como funciona essa medição?
Imagine que você está dentro de um carro em movimento em uma nevasca. Você verá mais flocos de neve vindo de frente do que por trás. Isso acontece porque você está se movendo em direção aos flocos.
O mesmo ocorre no espaço. Nosso Sistema Solar se move através do universo a aproximadamente 370 quilômetros por segundo. Por causa desse movimento, deveríamos ver mais galáxias na direção para onde estamos indo e menos na direção oposta. Esse fenômeno é chamado de “dipolo cinemático”.
Os cientistas conseguem calcular quanto desse efeito deveria existir baseado em outras medições. A principal referência é a Radiação Cósmica de Fundo — uma “luz” muito fraca que permeia todo o universo, resquício do Big Bang que ocorreu há 13,8 bilhões de anos.
O problema é que os novos dados mostram um dipolo quase quatro vezes maior do que o esperado. É como se estivéssemos nos movendo muito mais rápido do que todas as outras medições indicam — ou como se houvesse realmente mais galáxias de um lado do universo.
Qual é a inovação neste método de análise?
Estudos anteriores sobre esse tema usavam métodos estatísticos inadequados. O problema é técnico: muitas galáxias que emitem ondas de rádio têm estruturas complexas. Uma única galáxia pode ter vários pontos emitindo rádio, e cada ponto era contado separadamente, inflando artificialmente os números.
Os antigos métodos presumiam que a contagem de galáxias seguia um padrão matemático simples (distribuição de Poisson). Mas esse padrão não funciona quando há muita variação nos dados — o que os estatísticos chamam de “superdispersão”.
A equipe de Böhme aplicou uma técnica diferente, usando modelos bayesianos com distribuição binomial negativa. Esse método lida melhor com as variações e oferece resultados mais confiáveis. Quando aplicaram a nova técnica aos dados dos três telescópios, a anomalia se confirmou em todos eles.
Essa anomalia já havia sido detectada antes?
Sim. Esta não é a primeira vez que cientistas encontram esse tipo de assimetria excessiva. Estudos anteriores usando catálogos de quasares infravermelhos (objetos extremamente brilhantes e distantes) também detectaram dipolos maiores que o esperado.
O catálogo CatWISE, por exemplo, que mapeou milhões de objetos no infravermelho, já havia mostrado resultados parecidos. O diferencial do novo estudo é usar exclusivamente dados de ondas de rádio e aplicar métodos estatísticos mais robustos.
Um ponto interessante: embora a magnitude (o tamanho) do dipolo seja muito maior que o previsto, sua direção está correta. Ela aponta para a mesma região do espaço indicada pela Radiação Cósmica de Fundo, dentro da margem de erro. Isso sugere que não se trata de um erro de calibração dos instrumentos.
Quais são as explicações possíveis?
Os cientistas trabalham com duas hipóteses principais para explicar a anomalia:
Primeira hipótese: fluxo de matéria local
O Sistema Solar não está simplesmente “flutuando” no espaço. Ele é arrastado por correntes gigantescas de matéria — incluindo matéria escura, que não podemos ver diretamente. Essas correntes são causadas pela atração gravitacional de estruturas massivas distantes.
Se existir uma concentração de matéria escura maior do que o previsto em nossa região do universo, isso criaria um “fluxo” mais forte. Nossa velocidade real seria maior que a calculada, produzindo um dipolo excessivo nas observações.
Segunda hipótese: Agrupamento local de galáxias
Pode haver uma concentração inesperada de galáxias que emitem rádio relativamente próximas de nós (em termos cósmicos). Essas galáxias “locais” distorceriam as contagens, criando um dipolo artificial que não reflete a estrutura do universo em grande escala.
Ambas as explicações têm problemas. A primeira exigiria um fluxo de matéria incompatível com o modelo Lambda-CDM, a teoria cosmológica padrão. A segunda exigiria uma concentração local muito maior que o observado até agora.
Uma terceira possibilidade, mais radical, é que exista realmente uma assimetria fundamental no universo. Isso significaria que o Princípio Cosmológico está errado e que o universo tem, de fato, direções “especiais”. Essa seria uma revolução na cosmologia.
O que acontece agora?
A comunidade científica internacional precisará repetir essas medições com outros telescópios e métodos independentes. Novos observatórios de rádio estão sendo construídos, como o SKA (Square Kilometre Array), que será o mais potente já feito.
Também será necessário investigar se existem fontes de erro sistemático que ainda não foram identificadas. Calibração de instrumentos, interferências atmosféricas e métodos de processamento de dados serão reavaliados.
Se a anomalia se confirmar definitivamente, os cosmólogos terão que revisar teorias fundamentais sobre como o universo funciona. Isso pode levar a uma nova compreensão sobre matéria escura, energia escura e a própria geometria do espaço-tempo.
Por enquanto, a descoberta permanece como um dos maiores mistérios da astronomia moderna — um lembrete de que ainda há muito a aprender sobre o universo em que vivemos.
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