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Análise: Quando o clima extremo encontra um setor elétrico mal preparado e autoridades em campanha | Brasil

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A sucessão de apagões que voltou a mergulhar São Paulo no escuro nesta semana tem algo de déjà-vu, e não apenas para os milhões de consumidores que passaram dias sem energia. Vendavais, árvores caídas, postes danificados, notas oficiais parecidas, autoridades indignadas e concessionárias na defensiva compõem um roteiro que já parece ter virado temporada fixa no calendário paulista, como se o blecaute fosse um fenômeno sazonal, previsível e, paradoxalmente, sempre tratado como surpresa.

O ciclone extratropical deixou mais de 2,4 milhões de imóveis sem energia elétrica, sendo cerca de 1,6 milhão apenas na capital paulista. Ventos acima de 100 km/h, centenas de árvores derrubadas e uma rede elétrica que, mais uma vez, mostrou pouca resiliência diante de eventos extremos que a ciência anuncia há décadas e que o setor insiste em tratar como imprevisível.

O discurso técnico é conhecido. Árvores tombaram sobre a rede, galhos romperam cabos, postes foram danificados. A Abradee, associação que representa as empresas do setor, correu para lembrar que a arborização urbana é responsabilidade das prefeituras e que as redes são dimensionadas para ventos de até 70 km/h, não para rajadas cada vez mais frequentes e intensas.

A entidade destaca que os investimentos anuais saltaram de R$ 20 bilhões para cerca de R$ 45 bilhões. Só a Enel São Paulo diz que está realizando um montante recorde de recursos, R$ 10,4 bilhões, e que contratou 1200 eletricistas de junho de 2024 a março de 2025, além de mais 400 contratações em andamento para dezembro.

O problema é que esses números, embora robustos no papel, parecem chegar sempre depois do apagão. Especialistas lembram que o diagnóstico sobre o “novo normal” climático não é recente e que os aportes em resiliência vieram tardios. Indicadores de melhorias até podem deixar as planilhas regulatórias no azul, mas não explicam por que bairros inteiros continuam dias no escuro sempre que o vento resolve soprar mais forte.

O dado mais inquietante é simbólico: São Paulo simplesmente não tem um plano de contingência à altura do seu tamanho e complexidade. Como manda o manual do capitalismo paulistano escrito na Faria Lima, onde há caos há oportunidade. Em meio ao apagão, a procura por geradores na maior cidade da América Latina disparou 6.000% em algumas empresas do setor, um sinal claro de que, no vácuo do planejamento público, o mercado já encontrou mais um negócio para explorar.

Se a infraestrutura falha, a informação também. No caso da EDP, empresa portuguesa, mas que tem capital chinês, a opção foi pelo silêncio: a distribuidora se recusou a informar quantos imóveis ficaram sem energia em sua área de concessão. A tarefa coube à Aneel, que estimou em 146 mil o número de unidades atingidas no pico do evento. A transparência, princípio caro às democracias europeias, parece ter ficado pelo caminho na travessia societária asiática, que também não resistiu às rajadas de vento.

Em nota, a EDP disse que cumpre rigorosamente todas as normas regulatórias e comunica os seus indicadores aos principais órgãos do setor elétrico e à sociedade. “A Empresa reitera que enviou, proativamente, diversos comunicados sobre os impactos causados pelos fortes ventos que ultrapassaram 90 km/h e que atingiram algumas regiões da sua área de concessão desde a tarde da última quarta-feira, 10 de dezembro”, disse.

Em um contexto em que o imprevisível virou rotina, a Enel São Paulo, responsável pela maior fatia de consumidores afetados, tornou-se o alvo preferencial das críticas. A repetição de apagões de grande magnitude levou o diretor da Aneel, Fernando Mosna, a cobrar explicações formais e alertar para a possibilidade extrema de caducidade da concessão, caso fique caracterizado o descumprimento contratual.

O prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB/SP) critica a distribuidora, mas evita aprofundar o debate sobre a própria responsabilidade da prefeitura na manutenção e planejamento da arborização urbana. Procurada, a prefeitura não retornou o contato.

Até então, a empresa se mantinha quieta diante das falhas de zeladoria urbana da prefeitura, cuja arborização deficiente contribui para o colapso da rede. Ao jornal Folha de S.Paulo, a Enel elevou o tom contra Nunes. Os advogados da concessionária afirmaram que a crise decorre de falhas da gestão municipal, em especial na manutenção e poda de árvores e que “o prefeito age como o marido traído que coloca a culpa no sofá”.

Reduzir o debate à Enel é tentador, mas esconde um problema mais amplo: as crises expõem um problema sistêmico do setor. No Paraná, um tornado destruiu cerca de 90% do município de Rio Bonito do Iguaçu, na região central do Estado, causando mortes e provocando danos severos à infraestrutura elétrica local. Já em 2024, a região atendida pela distribuidora RGE, da CPFL, no Rio Grande do Sul, foi afetada por eventos climáticos extremos.

Do lado do poder público federal, também faltam respostas. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD/MG), segue em ritmo de campanha em Minas Gerais, distante do epicentro da crise. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP) pede intervenção na Enel e se diz “refém” de um contrato que, vale lembrar, também envolve responsabilidades do Estado na fiscalização e articulação institucional.

Reduzir o apagão a um embate entre Enel e autoridades é confortável, mas insuficiente. O que se escancara é um problema estrutural do setor elétrico brasileiro: redes pouco resilientes, planejamento deficiente, investimentos reativos, falta de coordenação entre municípios, Estados, União e concessionárias representa um jogo de empurra institucional que se repete a cada evento extremo.

No fim, São Paulo segue sem luz, sem plano e sem respostas claras. O clima mudou, os alertas foram dados, os apagões se repetem. Só a sensação de improviso permanece constante como se o escuro já tivesse virado parte da paisagem.

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