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Amazônia e a disputa pelo desenvolvimento

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Na Amazônia, a palavra desenvolvimento carrega significados tão diferentes que geram narrativas envolvendo a promoção de estagnação, destruição ou até traição à soberania nacional. Diferentes governos, segmentos econômicos e comunidades tradicionais sustentam suas próprias visões de progresso. Frequentemente, elas não apenas se chocam, mas moldam políticas públicas, eleições, judicialização e até debates internacionais. 

Ao longo dos anos, a visão sobre o desenvolvimento da Amazônia passou por mudanças conforme houve a alternância de poder no governo federal. Houve gestões que incentivaram a exploração econômica; outros a restringiram em nome da preservação. A disputa se intensificou nas últimas décadas. À medida que a agenda ambiental ganhou protagonismo global, o potencial econômico da região se tornou central na política brasileira. 

O tema também ganhou destaque após o Brasil ser sede da Conferência das Partes da ONU em 2025. A COP 30, realizada em meio à Amazônia, em Belém, capital do Pará, expôs ao mundo os problemas que afetam a região, como a falta de infraestrutura e os problemas logísticos.

Analistas e lideranças ouvidas pela Gazeta do Povo apontam que a disputa de narrativas não é apenas ambiental, mas também política e econômica. Para eles, a falta de continuidade transforma a região em palco de políticas que começam, mudam de rumo e raramente se completam.

A ex-deputada federal Silvia Waiãpi sustenta que o foco dos debates sobre desenvolvimento precisa ser a população local e que, para isso, “as leis ambientais têm de mudar”. Ela argumenta que a atual política ambiental “condena o povo à miséria” ao restringir atividades econômicas e impedir investimentos.  

Waiãpi afirma que, diferentemente das regiões Sul e Sudeste — que possuem reserva legal de 20%, de acordo com o Código Florestal —, a Amazônia estaria submetida a um regime que “trata desigualmente brasileiros que querem se desenvolver”, bloqueando 80% do território para preservação na Amazônia. Na visão dela, isso se soma à falta de infraestrutura, à insegurança pública e ao aumento da criminalidade. “O povo foi condenado à morte em nome da sustentabilidade”, declara. 

Para o escritor e consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) Alfredo Lopes, o problema da Amazônia não está na política ambiental — que considera necessária e, em muitos pontos, bem estruturada —, mas na ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento. O consultor do CIEAM elenca os gargalos: falta de infraestrutura logística, energia limpa e competitiva e políticas industriais adequadas à realidade da região. Sem isso, afirma, o Estado brasileiro tende a repetir erros históricos, alternando ciclos de restrição ambiental rígida com momentos de flexibilização abrupta — movimento que paralisa investimentos e amplia a insegurança. 

Ele pondera, no entanto, que modelos que impedem a industrialização acabam empurrando a população à informalidade e ao desmatamento: “Sem emprego urbano e economia legal, a pressão sobre a floresta explode”, avalia Lopes. 

Um dos elementos centrais da guerra de narrativas, segundo o cientista político e professor de Relações Internacionais do Ibmec Adriano Gianturco, é a pergunta: para quem a Amazônia deve se desenvolver? Ele defende que decisões sobre o futuro da região devem priorizar quem vive nela — indígenas, ribeirinhos, pequenos produtores, trabalhadores urbanos — e não agendas formuladas por governos distantes ou organismos multilaterais. 

Ele compara o caso da Amazônia à experiência de Singapura, país tropical que combina elevada densidade urbana com áreas preservadas. Para Gianturco, a diferença está menos na geografia e mais na capacidade de gestão do território. Com um país enorme como o Brasil, argumenta ele, “a elite política e econômica de grandes centros se permite o luxo de não utilizar partes do território”, enquanto populações amazônicas permanecem com poucas alternativas de desenvolvimento. 

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Ex-deputada diz que a Amazônia foi “impedida de se desenvolver”

A discussão sobre o desenvolvimento da Amazônia passa pela floresta “intocável” vendida ao mundo e o cotidiano de falta de saneamento, emprego e infraestrutura. Além da variação entre governos, a depender dos atores sociais questionados, tomam forma de discursos que dão peso a decisões tomadas longe da região ou que evidenciam a Zona Franca de Manaus como prova de que é possível gerar riqueza mantendo a floresta em pé, por exemplo. 

Para o cientista político Adriano Gianturco, a dificuldade em encontrar um consenso sobre o que é “desenvolver a Amazônia” começa pelo fato de que nenhuma região do mundo possui um conceito único de desenvolvimento. A Amazônia, com dimensões continentais, torna essa pluralidade ainda mais evidente.

Gianturco argumenta que modelos idealizados em gabinetes — “de Brasília para a floresta” ou de organizações internacionais para comunidades locais — tendem a fracassar. Segundo ele, o verdadeiro desenvolvimento ocorre pela lógica da experimentação econômica: indivíduos e empresas inovam, testam, investem; algumas iniciativas prosperam, outras falham. “Quem define o que funciona é o consumidor, não um planejador central”, afirma. 

A ex-deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), que é natural do Amapá, descreve a ideia de “desenvolvimento amazônico” como um conceito dissociado da realidade vivida pela população local. Para ela, o ponto de partida deveria ser aquilo que a Constituição já determina – saúde, educação, saneamento e segurança –, mas que não chega de forma minimamente igualitária aos estados da região. Na avaliação da ex-parlamentar, a precariedade do saneamento básico é um indicativo de como a região foi “impedida de se desenvolver” por causa das leis ambientais. 

Segundo ela, o “tripé da sustentabilidade” – econômico, social e ambiental – estaria, no caso amazônico, “desbalanceado”. Ela argumenta que os estados da região estão majoritariamente ocupados por unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas de proteção, o que inviabiliza a instalação de empresas e atividades produtivas. 

Para o escritor e consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) Alfredo Lopes, no entanto, a discussão sobre desenvolvimento na Amazônia não deveria oscilar entre “extremos” – da visão de exploração predatória à defesa de uma floresta intocável. Para Lopes, essa polarização ignora o que ele considera o único modelo amazônico que já provou funcionar na prática: a Zona Franca de Manaus. 

Segundo Lopes, desenvolvimento na Amazônia não tem relação com garimpo, madeireira clandestina ou aventuras extrativistas, mas com “institucionalidade, ciência, indústria legal e floresta em pé”. Ele argumenta que é possível produzir riqueza mantendo a integridade ambiental, e afirma que isso não é uma promessa — é um fato observado diariamente no Polo Industrial de Manaus, que “gera mais de 500 mil empregos formais, mantém 97% da floresta preservada e financia inovação, pesquisa e a maior universidade multicampi do Brasil”. 

Oscilações históricas: como cada governo redefiniu o “desenvolvimento” na Amazônia 

A alternância de poder em Brasília produziu mudanças profundas na forma como o Estado brasileiro enxerga a Amazônia — ora como fronteira econômica a ser integrada ao território nacional, ora como patrimônio ambiental a ser rigidamente protegido. A palavra “desenvolvimento” passou, então, a depender do mapa político. E cada mudança de governo foi acompanhada por uma guinada de prioridades, políticas e discursos. 

Nos anos 1970, durante o governo Médici, vigorava a lógica da ocupação acelerada. Projetos como a Transamazônica (BR 319) e o Programa de Integração Nacional impulsionaram a abertura de estradas, o estímulo à colonização agrícola e a instalação de polos industriais como a Zona Franca de Manaus. A diretriz era clara: integrar o território por meio do uso produtivo da floresta, com pouca preocupação ambiental. 

No período de redemocratização, a pressão internacional começou a influenciar decisões brasileiras. O governo Sarney (MDB) criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e passou a responder às críticas que associavam a imagem do Brasil ao desmatamento.

Já nos anos 1990, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e consolidou parcerias internacionais para proteção da floresta, como o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), financiado por países do G7. Foi o início de uma arquitetura ambiental mais moderna, ainda que coexistindo com interesses de expansão produtiva. 

A partir de 2003, com o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o combate ao desmatamento se tornou política de Estado. Com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), o governo federal estruturou operações de fiscalização, monitoramento por satélite e criação de áreas protegidas. Ao mesmo tempo, governos estaduais e setores econômicos passaram a se queixar de restrições que, na avaliação deles, limitavam investimentos e travavam projetos de infraestrutura. 

Essa tensão se aprofundou no governo Dilma Rousseff (PT). Enquanto hidrelétricas como Belo Monte, Santo Antônio e Jirau avançavam sob intenso debate socioambiental, a política federal mantinha a lógica do controle e da criação de novas unidades de conservação. O resultado foi uma agenda ambígua: incentivo a obras de grande impacto ambiental combinado a diretrizes de preservação. 

A guinada veio com o governo de Michel Temer (MDB), que tentou flexibilizar regras ambientais, como no episódio da extinção — posteriormente revertida — da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), área rica em minérios. A tentativa de alteração dos limites do Parque Nacional (Parna) do Jamanxim, no sudoeste do Pará, reduzindo sua área e reclassificando para uma categoria que permitia a ocupação humana e atividades econômicas também demonstrou a forma como Temer buscava permitir a exploração da Amazônia para gerar desenvolvimento. A maior parte das tentativas, no entanto, acabaram frustradas pela pressão de ambientalistas. 

No governo de Jair Bolsonaro (PL), houve estímulo a mudanças no licenciamento ambiental e tentativas de retomar obras de infraestrutura, como a repavimentação da BR-319, que liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia. Com isso, as críticas externas se intensificaram e foram rebatidas com discursos enfatizando a “soberania nacional” e reprimindo a interferência estrangeira. 

Desde 2023, o terceiro mandato de Lula retomou a agenda climática como eixo central da política amazônica. Houve reativação do Fundo Amazônia, reforço das fiscalizações e foco diplomático no tema, especialmente com a preparação para a COP 30, que foi realizada em Belém, em novembro. As ações, porém, reabriram conflitos com produtores rurais, governos estaduais e setores interessados em infraestrutura — como no debate sobre a Ferrogrão. 

O resultado de quatro décadas de alternância entre aceleração produtiva e contenção ambiental é uma política que avança ou recua de acordo com as eleições e as pressões internacionais. 

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