Com o fim dos mandatos dos dois últimos diretores indicados na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 31 de dezembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá ter, pela primeira vez, indicado toda a diretoria da autoridade monetária. O cenário para o Banco Central em 2026 desenha-se sob forte neblina.
Dois fatores criam um ambiente de incerteza: a saída de diretores técnicos experientes, sem substitutos definidos, e a nova postura do presidente Gabriel Galípolo, que anunciou o fim da prática de sinalizar os próximos passos da política de juros nas atas do Copom — as chamadas “setas”.
Para o investidor e o empresário, que dependem de previsibilidade para alocar capital, a mensagem é de cautela: a caixa-preta do BC está se fechando. Esse atraso nas nomeações para o Banco Central reflete uma prática que se tornou comum no terceiro mandato do presidente Lula: a demora em indicar executivos para órgãos reguladores.
-
De “menino de ouro” a alvo: por que o PT questiona o trabalho de Galípolo no BC
-

Eleito em 2026 terá de usar terapia de choque para evitar colapso das contas públicas
Os últimos “bolsonaristas” saem — e Lula não mostra quem entra
O centro da incerteza atual está na saída de dois pilares da credibilidade técnica do BC: Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, e Renato Gomes, diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução. A área comandada por Gomes cuida, entre outras funções, do Pix.
Não se trata apenas de uma troca de cadeiras. Guillen e Gomes são descritos por analistas do BTG Pactual Asset Management como excelentes economistas que tiveram papel fundamental na consolidação das regras de política monetária e regulação nos últimos quatro anos. A falta de nomeações no prazo certo gera desconfiança no mercado, que funciona à base de confiança.
A preocupação é prática. Diogo Guillen, por exemplo, era o responsável pela redação das atas e comunicados do Copom — documentos que orientam as expectativas do mercado sobre os rumos da taxa básica de juros (Selic). Sua saída levanta dúvidas sobre a coerência e o estilo futuros.
“Talvez deva haver um cuidado especial para, no português ou no estilo, manter uma coerência”, alerta a análise do BTG Pactual Asset Management. A gestora ressalta que, embora o BC seja sólido, a transição sem nomes definidos tira uma camada de segurança.
A demora na nomeação empurra a sabatina dos novos diretores no Senado provavelmente para depois do carnaval de 2026. Até lá, o Comitê de Política Monetária (Copom) funcionará incompleto ou com interinos — justamente quando se discute o início dos cortes da Selic.
A última vez que isso ocorreu foi em março de 2024, quando apenas sete dos nove membros participaram. Para um mercado avesso a riscos, esse vácuo sinaliza dificuldade política ou, pior, prenúncio de nomes menos comprometidos com o rigor técnico.
Sem as “setas” de Gabriel Galípolo: a nova era de silêncio do Banco Central
Se a composição da diretoria gera questionamentos, a nova postura do presidente do BC, Gabriel Galípolo, complica ainda mais a leitura do cenário. Em declaração recente, Galípolo foi categórico ao declarar o fim da prática de sinalizar os próximos passos da política de juros.
“Não sei se a gente tem alguma obrigação de criar algum tipo de código dentro da comunicação do Banco Central que vá telegrafar quando o Banco Central vai fazer algo”, afirmou Galípolo no início de dezembro.
A autarquia ganha liberdade para agir conforme os dados. Segundo Luiz Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, sem a obrigação de avisar antes, o Copom “poderá reduzir os juros na reunião de janeiro ou depois, mesmo que não altere a comunicação”, sem ser acusado de contradição.
No entanto, para o mercado, o fim das setas significa navegar sem radar. A previsibilidade — essencial para calcular preços de ativos e planejar investimentos — diminui.
“Vai ficar mais difícil antecipar os próximos passos sem elas [as setas]”, destaca Leal. A decisão sobre quando começar a cortar os juros, se em janeiro ou março de 2026, torna-se mais arte do que técnica – para usar a célebre definição do ex-vice do Fed Alan Blinder, segundo a qual a política monetária depende mais de julgamento do que de ciência exata. Isso aumenta a volatilidade nos juros futuros.
A solução do mercado: algoritmos para ler a mente de Gabriel Galípolo
Diante da falta de clareza e de sinais explícitos, os grandes bancos estão recorrendo à tecnologia para tentar ler as entrelinhas do Banco Central. O “olhômetro” dos economistas está dando lugar a algoritmos.
O Itaú, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta baseada em inteligência artificial. O sistema analisa milhares de frases de documentos oficiais do BC, classificando-as como:
- Favoráveis a juros altos;
- Favoráveis a juros baixos;
- Neutras.
Atualmente, a ferramenta sugere um tom mais brando na comunicação recente, embora ainda favorável a juros elevados. Que o mercado precise recorrer a robôs para interpretar a autoridade monetária evidencia a complexidade do novo discurso.
Inflação desancorada, eleição à vista — e um Banco Central silencioso
Essa opacidade na comunicação do BC se agrava em um momento delicado. O cenário externo também é instável, com o Federal Reserve (Fed) nos EUA mudando de postura rapidamente e gerando incerteza sobre até onde os juros americanos vão subir, destaca Thiago Berriel, estrategista-chefe da BTG Pactual Asset Management.
Internamente, a economia brasileira dá sinais contraditórios que exigiriam uma condução técnica impecável:
- Lado positivo: A inflação corrente mostra melhora e o PIB desacelerou para 0,1% no terceiro trimestre de 2025, o que justificaria cortes de juros.
- Lado negativo: A inflação de serviços continua pressionada pelo mercado de trabalho aquecido, e as expectativas de inflação para 2025 e 2026 seguem desancoradas da meta do BC.
A XP Investimentos alerta que, para iniciar os cortes, o Copom precisa tirar de suas mensagens trechos rígidos como “período bastante prolongado”, tornando-se dependente de dados. Sem os diretores que ajudaram a escrever essas regras e sob um comando que recusa telegrafar movimentos, o risco de interpretações erradas pelo mercado aumenta, elevando os custos dos juros.
Quem vai pagar a conta da incerteza
A autonomia do Banco Central exige rigor técnico e confiança do mercado. A partir de janeiro de 2026, com uma diretoria inteiramente indicada pelo presidente Lula, a saída de nomes como Guillen e Gomes — sem reposição imediata —, somada à recusa explícita de sinalizar passos futuros cria um vácuo. Nem mesmo a inteligência artificial consegue preenchê-lo.
Para 2026, o investidor deve se preparar para um BC mais imprevisível. Se a arte da política monetária se sobrepuser à técnica e à comunicação transparente, o custo dessa incerteza será pago por quem produz e investe no Brasil.
@jornaldemeriti – Aqui você fica por dentro de tudo.
Fala com a gente no WhatsApp: (21) 97914-2431


