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Governo falha com Trump no combate às facções

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Uma série de operações da Polícia Federal contra fraudes nos combustíveis e o discurso do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que seria possível combater as facções criminosas investigando apenas suas operações financeiras, sem operações de força no terreno, não estão sendo medidas suficientes para aplacar a pressão dos Estados Unidos pelo combate ao narcotráfico.

Uma das políticas adotadas por Donald Trump ao voltar à Casa Branca neste ano é o combate ao tráfico de drogas no continente americano. Para viabilizar o projeto, Washington adotou uma doutrina que equipara traficantes a terroristas. Dessa forma justifica o uso do poder militar contra grupos que até então eram encarados como criminosos comuns.

Em maio, um enviado especial de Trump, David Gamble, esteve no Brasil para tratar do tema. O governo Lula afirmou ter dito a ele que não pretendia equiparar as facções brasileiras a grupos terroristas. À época, o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, disse que esses grupos “buscam o lucro, e não defendem causas ideológicas”, o que os afastaria da definição de terrorismo prevista na legislação brasileira.

No mês seguinte o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), esteve com autoridades americanas e descobriu que o enviado não tinha vindo pedir que o Brasil classificasse os traficantes como terroristas, mas sim comunicar que esses grupos criminosos seriam tratados dessa maneira pelos EUA.

Sem admitir a pressão, o governo Lula tentou dar uma resposta paliativa, por meio de operações contra a lavagem de dinheiro das facções, sugestões de projetos de lei e muita propaganda – mas sem determinar o enfrentamento direto ao crime por meio de ações armadas.

As operações Tank, Quasar e Carbono Oculto da Polícia Federal miraram o esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital, que teria movimentado R$ 52 bilhões de 2020 a 2024 a partir de postos de combustíveis, em um esquema que envolvia desde a importação ilegal do produto, até a lavagem de dinheiro por meio de fintechs.

Foram bloqueados R$ 3 bilhões em bens e valores e cumpridos mandados em dez estados, incluindo no coração financeiro do país, na Avenida Faria Lima, em São Paulo. A ação foi retratada pelo governo como a maior operação de todos os tempos contra as facções criminosas no Brasil. Lula celebrou as prisões e disse que o governo conseguiu atingir a cúpula do crime organizado, mas as lideranças continuaram comandando a facção de dentro de presídios federais.

Segundo analistas, essas ações foram tentativas do governo brasileiro de responder à pressão dos EUA e criar argumentos de que o país é capaz de resolver o problema do crime organizado sem ajuda externa. Segundo Cezar Roedel, doutor em Filosofia pela PUCRS e especialista em conflitos internacionais, não há coincidência e o Brasil está cedendo à pressão americana ao decidir neste momento específico endurecer as ações contra as facções criminosas, que operam há anos sem entrar no foco da política.

O discurso do governo em torno da asfixia econômica das organizações criminosas, ou seja, “enfraquecer o crime pelo dinheiro”, não despertaram atenção popular nem se converteram em narrativa de força governamental. Tampouco chamaram a atenção da Casa Branca.

Focado na Venezuela, Trump intensificou suas ações no início de setembro, com a destruição de barcos operados por narcotraficantes no Mar do Caribe – que já somam mais de 60 baixas -, e vem acumulando forças navais e aéreas americanas na região.

O combate ao crime no Brasil só chamou a atenção de Washington quando o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, determinou no dia 28 de outubro a invasão do “quartel-general” do Comando Vermelho (CV) nos complexos de favelas do Alemão e da Penha. A operação resultou na morte de 117 suspeitos, quatro policiais e 113 prisões. Ela teve ampla repercussão e aprovação popular.

O governo dos EUA reconheceu a ação de Castro e enviou uma carta ao governo do Rio expressando condolências pelas mortes dos agentes e manifestando apoio às forças de segurança. Ela foi assinada por James Sparks, da DEA (sigla em inglês do departamento de combate às drogas dos Estados Unidos). “É com profundo pesar que expressamos nossas mais sinceras condolências pela trágica perda dos quatro policiais que tombaram no cumprimento do dever…”, diz o documento.

“Enquanto a retórica federal sobre “asfixia financeira das facções” seguiu sem eco, a operação de Castro se consolidou como símbolo de ação e resposta efetiva, deixando o governo brasileiro em posição reativa diante da pressão e da narrativa de Donald Trump sobre segurança e combate ao crime transnacional”, alerta o investigador aposentado das forças federais, especialista em segurança pública, Sérgio Gomes.

Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que as ações do Brasil não são uma resposta à pressão dos Estados Unidos. O governo disse que dialoga constantemente com Washington, mas também tem novas parcerias internacionais na área de segurança com países como França, Portugal, Chile, Índia e Eslováquia, além de estreitar a integração com Argentina, Paraguai e a Europol (leia abaixo mais sobre a manifestação da pasta).

Governo não quer facções classificadas como terroristas mas oposição não abre mão de aumentar penas

Combinadas, a pressão americana e a operação de Castro no Rio de Janeiro criaram um impacto político que colocou a pauta da segurança em evidência no Congresso. Na sexta-feira (7), o presidente da Câmara, Hugo Motta, designou o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), secretário licenciado de segurança pública de São Paulo para relatar o projeto de lei antifacção, que havia sido apresentado pelo governo Lula como resposta legislativa à questão da segurança.

O presidente telefonou para Motta para protestar, mas o projeto segue tramitando. Derrite promete equiparar as penas do crime de organização criminosa aos de terrorismo, mas até o momento não há indicativos de que PCC e CV sejam declarados grupos terroristas.

O criminalista Márcio Nunes considera que a reação do governo brasileiro ao crime organizado tem mais de um propósito: supostamente conter o avanço das facções, que já operam como multinacionais do crime em todos os continentes, tentar preservar a imagem externa do país diante de parceiros estratégicos e mostrar preocupação interna com a segurança aos eleitores. “Estamos a um ano das eleições no Brasil e a segurança pública é o tema que mais preocupa os brasileiros. As pesquisas mostram e o governo sabe disso”, avalia.

Para o especialista em segurança pública Sérgio Gomes, investigador aposentado das forças federais, apesar de o Brasil ter fugido do termo “terrorista”, as organizações criminosas brasileiras agem e se enquadrariam como tal se analisado um contexto mais amplo de suas atuações.

Ele diz que, apesar da insistência em não as classificar assim, o governo vem cedendo à pressão americana, mas com objetivos claros. “A intensificação das operações em 2025 pode ser vista como uma tentativa de mostrar resultados concretos dando um recado de que não precisa alterar formalmente a legislação nacional nem haveria a necessidade de intervenção externa no combate ao crime organizado no país”, destaca.

Governo intensificou a capitalização política das megaoperações

O Palácio do Planalto intensificou a capitalização política das operações da Federal, a mais recente delas uma ação contra líderes do CV no último dia 4 na Bahia. A propaganda oficial e em veículos de comunicação reforça “o compromisso do governo no combate ao crime organizado”. Porta-vozes do governo têm reiterado o discurso de que não seria preciso entrar em confronto contra o braço armado das facções, mas sufocar suas finanças.

A iniciativa provocou críticas. “Em três anos, não houve esforço consistente de segurança pública. Zero. O governo só está respondendo a uma necessidade eleitoral. Quer ter um discurso para dizer que fez alguma coisa”, afirmou Bilynskyj.

Ainda amparado pelas megaoperações, o governo brasileiro usou a justificativa de combate ao crime, na avaliação de especialistas, para regular e melhorar a eficácia da taxação das fintechs, exigindo que repassem dados à Receita Federal para rastrear operações e combater lavagem de dinheiro. A medida equipara bancos digitais aos tradicionais com o suposto objetivo de coibir o uso dessas plataformas pelo crime organizado.

O deputado Paulo Bilynskyj chama as medidas de “cortina de fumaça” e lembra que a PEC da Segurança Pública segue travada por falta de apoio do Planalto. “É como dar aspirina para quem está em estado terminal”.

Fala de Lula sobre traficantes vítimas de usuários evidencia posição do governo

Analistas também alertam que a política de combate ao crime organizado no Brasil não passa por uma política de Estado. Marcelo Almeida diz que isso fica explícito pela “fala atravessada” de Lula na última semana, dizendo que “traficantes são vítimas dos usuários”.

“Não deixa de ser uma forma como o governo enxerga o crime organizado no Brasil. Isso prova que as medidas adotadas são de fato graças às pressões externas e, possivelmente, de políticas eleitorais, não necessariamente uma consciência do Estado para esse enfrentamento”, reforça.

O presidente da Comissão de Segurança na Câmara, Paulo Bilynskyj, analisa que a própria retórica de Lula sobre traficantes revela a visão do presidente. “Ele não vê o criminoso como antagonista da sociedade. Vê como parte dela”.

O parlamentar rejeita a interpretação de que operações recentes demonstram empenho do governo no enfrentamento às facções de forma voluntária. “Foram ações obrigatórias. Quando a PF não atua, comete prevaricação”, afirma.

Para Gauthama Fornaciari, as ações recentes não representam um alinhamento espontâneo do Brasil com os Estados Unidos, mas sim uma resposta às circunstâncias.

“O Brasil está sendo compelido a sair da sua zona de conforto e a adotar uma postura mais proativa no combate ao crime organizado. Caso contrário, abre-se espaço para uma eventual intervenção norte-americana, o que traria sérios prejuízos às relações bilaterais”, destaca.

MJSP nega influência externa em ações contra o crime organizado

Em resposta à Gazeta do Povo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou que o combate ao crime organizado transnacional é uma prioridade do governo brasileiro e tem sido fortalecido sob a orientação do ministro Ricardo Lewandowski.

De acordo com a pasta, a ampliação das operações integradas contra o crime decorre de uma estratégia nacional de longo prazo, associada ao fortalecimento de parcerias internacionais. Somente em 2025, afirma o Ministério, o MJSP assinou oito novos acordos de cooperação, além de iniciativas como o Comando Tripartite com Argentina e Paraguai e o acordo com a Europol, que “amplia a cooperação policial com todos os países da União Europeia”.

O Ministério reforçou ainda que essa colaboração independe de alterações legislativas e ocorre dentro do marco jurídico vigente, destacando o papel do Brasil na presidência da Interpol e sua rede de Centros de Cooperação Policial Internacional.

Quanto à influência de outros países nas ações de enfrentamento, o MJSP ressaltou que a preocupação com facções transnacionais é compartilhada por diversas nações e não decorre de pressões diplomáticas específicas.

A pasta afirmou manter interlocução permanente com parceiros internacionais, incluindo os Estados Unidos, com quem desenvolve cooperação histórica, especialmente no combate ao tráfico ilegal de armas. Em relação ao equilíbrio entre soberania e alinhamento a protocolos internacionais, o Ministério destacou que o Brasil pauta suas ações pelos princípios da Constituição Federal e da Carta da ONU, ressaltando que acordos internacionais, como as Convenções de Palermo e sobre Crimes Cibernéticos, são expressão legítima da soberania nacional, internalizados no ordenamento jurídico conforme a legislação vigente.

  • Líder de facção do Rio pode ser classificado como terrorista por usar motivação religiosa

  • Organizações criminosas avançam pelo Brasil

    Por que 46 das 88 organizações criminosas brasileiras estão no Nordeste

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