O escândalo dos descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS, que passou a ser investigado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), no fim de agosto, não provocou apenas a batalha entre oposição e governo para, respectivamente, revelar ou proteger culpados. Ele também serve para congressistas marcarem posição sobre mudanças na lei que possam deixar um legado da CPMI.
Em meio aos confrontos verbais e às votações de medidas para apurar crimes, representantes da direita e do centro na CPMI do INSS viram a oportunidade de emplacar projetos para proibir ou restringir radicalmente os descontos associativos em folha de pagamento e também endurecer regras de autorização. Em paralelo ao esforço para enquadrar suspeitos pelas irregularidades, essa investida legislativa visa a atender também a um apelo popular.
A necessidade de reformar o modus operandi de descontos em aposentadorias, pensões e outros benefícios ficou evidente pela dimensão alcançada pelos abusos, sobretudo os mais recentes. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal (PF) estimaram à época R$ 6,3 bilhões em descontos indevidos, sendo que houve salto dos valores a partir de 2023, no atual governo Lula.
Projeto aprovado na Câmara impede qualquer desconto sem autorização
O ponto de partida para uma série de proposições de regras mais duras que possam evitar a continuidade dos desvios veio de uma iniciativa ainda de 2024, muito antes de o escândalo ter sido revelado, em abril último. O noticiário e a instalação da CPMI na sequência deram impulso a projetos já apresentados e estimulam o surgimento de outros.
Aprovado no início de setembro pela Câmara, o PL 1546/2024, proposto por Murilo Galdino (Republicanos-PB) e relatado por Danilo Forte (União-CE), visa a impedir descontos mensais de entidades e associações em benefícios do INSS sem a autorização prévia, expressa e formal do beneficiário.
O projeto que chegou ao Senado estabelece que, em caso de cobranças não autorizadas, a entidade terá 30 dias para devolver o valor ao aposentado ou pensionista. O texto prevê ainda que o INSS deverá buscar ativamente os beneficiários prejudicados pelas irregularidades na folha de pagamentos.
Embora o PL 1546/24 represente um marco simbólico, especialistas apontam que ele não cobre todos os riscos. O texto não prevê, nesse formato inicial, sanções penais elevadas para práticas fraudulentas. Ele enfrenta resistência de entidades que diziam representar corretamente beneficiários.
Senadores querem a suspensão imediata de todos os convênios com INSS
Os senadores, por sua vez, se mobilizaram para completar ou aprofundar a medida. O PL 2.194/2025, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, proíbe o desconto nos benefícios de mensalidades de associações e entidades de aposentados e determina o cancelamento de descontos já existentes.
Outros projetos que tramitam em conjunto preveem suspensão temporária dos descontos associativos, condicionando a volta à revalidação periódica. É o caso do PL 2.159/2025, de Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, que impõe suspensão por seis meses e exige nova validação.
“Foi o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), que criou mecanismos de combate às fraudes no INSS. O PT votou contra essas propostas e Lula derrubou os controles. Abdicaram das travas e escancararam as portas do inferno para a quadrilha sindical assaltar os aposentados”, disse o senador.
Projetos pretendem criar dificuldades para sindicatos validarem desvios
Outra disputa na CPMI envolve a forma de revalidação das autorizações. Projetos defendem exigência de biometria anual, assinatura eletrônica e vedação total ao telemarketing na contratação. Eles buscam impedir que entidades sindicais validem autorizações já concedidas sem controle.
Segundo analistas, há convergência dos discursos quanto à necessidade de frear esquemas criminosos no INSS. Mas há também um jogo que definirá como ficarão as configurações finais dos projetos – se haverá concessões ou se prevalecerá regulação forte, que impeça “brechas” para novos desvios.
Até o fim do ano, essa pauta terá momentos decisivos: a apreciação do PL 1546/2024 no Senado, com possíveis modificações induzidas por projetos concorrentes e a consolidação, no âmbito da CPMI, de recomendações a serem transformadas em proposições mais rígidas, inclusive penais.
Base governista impõe restrições às atividades de investigação da CPMI
A oposição patrocinou a criação da CPMI e conseguiu eleger o seu comando logo na instalação. Mas, nas últimas semanas, houve série de derrotas para seus requerimentos, como o de convocação do sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Agora, a oposição analisa alternativas para retomar o protagonismo. Para os seus representantes na CPMI, ela foi “sequestrada” pelo governo, cuja maioria está barrando investigações. Uma das estratégias de reação envolve ampliar a presença do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), que acabou de ocupar uma vaga.
“Dentro desta CPMI, a verdade não tem dono. Aqui ninguém é intocável. Nem amigo, nem aliado, nem adversário, nem parente de gente importante. Quem deve vai responder”, disse o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente do colegiado, após proteção a Frei Chico, na quinta-feira (16).
Governo tenta se antecipar à CPMI com ressarcimentos e novas regras
À margem do debate legislativo, o governo ativou mecanismo para ressarcir os beneficiários que tiveram descontos indevidos entre março de 2020 e março de 2025. Aproximadamente R$ 1,29 bilhão já foi devolvido a 2,3 milhões de pessoas via acordo administrativo — sem necessidade de ação judicial.
Também numa tentativa de contornar as pressões da CPMI e das medidas legislativas para combater desvios, o governo tem sinalizado que deverá não mais autorizar descontos em aposentadoria, dando a opção do modelo de pagamento via Pix, boleto ou outros meios externos à folha de pagamento.
A CPMI já discute a necessidade de tipificar crimes por ela apurados como específicos. Assim, deverão ser apresentados projetos para criar tipo penal de desconto fraudulento de benefício previdenciário, com penas agravadas se a vítima for idosa ou com deficiência e se for usado documento falso.
João Henrique Vieira Hummel, diretor da consultoria política Action, lembra que a aparente reação governista na CPMI do INSS ocorre quando o Palácio do Planalto sofre duras derrotas no Congresso, como a da Medida Provisória (MP) da Taxação, o que reacendeu a polarização entre base e oposição.
“A política pública deu lugar ao jogo eleitoral e, aos poucos, cada lado irá se posicionar. A próxima votação do Orçamento e a sessão do Congresso para apreciar vetos presidenciais vão mostrar quem está de que lado”, resumiu.
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